Bloqueio de contas: a injustiça
A desconsideração da personalidade jurídica não deve causar dano às condições de subsistência do devedor
SOB O ARGUMENTO DE amparar o trabalhador, a Justiça do Trabalho tem ordenado bloqueios injustos em contas correntes de pessoas físicas, sem ponderar com mais cautela que muitos dos atingidos pela medida podem ter seu direito violado. O corregedor-geral daquele braço do Judiciário, ministro João Delazem, propôs, há algum tempo, maiores cuidados na concessão do bloqueio, mostrando sensibilidade para o problema e para as conseqüências negativas dele originárias.Tomei a Justiça do Trabalho como exemplo inicial. A Justiça Civil precisaria da mesma cautela por aplicar, sem leitura mais atenta dos Códigos Civil, de Defesa do Consumidor e Tributário, a desconsideração da personalidade jurídica.
As três leis autorizam o bloqueio de ativos bancários, se a pessoa jurídica comete abuso de direito, pratica fato ou ato ilícito ou viola estatutos e contratos sociais. Quem se oculte por trás da entidade empresarial, na condição de sócio ou administrador, causando dano, deve responder com seu próprio patrimônio, mas, não comprovada a responsabilidade, caracteriza-se o abuso de direito.
O processo para bloquear contas se faz pelo sistema Bacen-Jud. O magistrado o realiza por meio do Banco Central. Emite ordem eletrônica sobre fundos em qualquer conta do atingido, em instituições financeiras situadas no Brasil. A ilegalidade é mais grave na área tributária, quando a pessoa física atingida não teve participação ou responsabilidade pelo não-pagamento do tributo pela pessoa jurídica.
O objetivo do bloquear é garantir o direito do credor, o que, em princípio, é correto. Não deve, porém, causar dano às condições pessoais de subsistência do devedor ou desrespeitar as normas que o autorizam. De outro modo, quando o bloqueio não é seguido pela imediata transferência dos fundos bloqueados para a conta judicial, o juiz beneficia o banco, que continua a movimentar os valores depositados. O devedor perde a disposição deles. O credor não vê a execução encaminhada. Só a instituição financeira ganha.
Outro abuso é bloquear o montante da dívida em mais de um banco, ainda que a soma dos bloqueios ultrapasse o valor do débito. O credor dirá que basta ao devedor requerer a limitação para que o juiz corrija o excesso. O argumento é falso. Não considera a freqüente falta de presteza do desbloqueio. A espera é mais injusta que o calote evitado.
O artigo 50 do Código Civil indicou as limitações a serem respeitadas. O texto severo do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, com restrições da ordem de bloquear, reclama atenção. Também se incluem no dever de prudência os artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional, na verificação da prescrição, em particular quando evidente. Conheço um caso de cobrança, na Justiça Federal, em execução contra suposto diretor de pessoa jurídica falida há quarenta anos. Digo suposto porque nunca esteve na direção da empresa. São fatos chocantes que não contribuem para o prestígio da Justiça oficial.
Em tese, a desconsideração da personalidade jurídica é boa. O bloqueio é bom. Na prática, ambos não podem servir para enriquecer bancos, facilitar a esperteza de credores inescrupulosos ou, ainda, sacrificar recursos essenciais à subsistência dos devedores.
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