terça-feira, 18 de novembro de 2008

O funcionamento da Justiça da China

O funcionamento da Justiça da China
Shin Kim e Arquelau So
14/11/2008

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Quem ainda não recebeu mensagens, convites ou informativos a respeito da China? Sem dúvida, o tema é um dos mais instigantes dos últimos anos. Infelizmente, para nós, brasileiros, discussões sobre a China ainda continuam superficiais. Saber como se comportar em uma mesa de negociação, entregar cartões de visita com as duas mãos, não recusar uma bebida ou comida que lhe é servida por um chinês ou ainda entender a importância do "guanxi" (relacionamento) obviamente são dicas importantes para o início de qualquer relacionamento. No entanto, para que possamos ultrapassar o nível superficial de conhecimento, entender a China ou os chineses requer muito estudo, aprendizado e, se possível, o convívio direto com os chineses. E, especialmente para os profissionais do direito, entender o sistema judiciário na China é um dos aspectos fundamentais para assessorar investidores estrangeiros interessados naquele país.

De fato, para muitos investidores estrangeiros a insegurança jurídica em virtude da falta de um sistema judiciário independente é um dos fatores relevantes na decisão de iniciar ou não determinado empreendimento na China. Assim, é importante que o investidor compreenda melhor o sistema judiciário chinês e esteja ciente de que o Governo da República Popular da China vem envidando esforços para a melhoria do sistema.

O sistema judiciário da República Popular da China é dividido em órgãos judiciais, compostos pelo Supremo Tribunal Popular, por tribunais populares locais de diversos níveis e por tribunais populares especiais; e por órgãos supervisores do Estado, compostos pela Suprema Procuradoria Popular, pelas procuradorias populares locais de diversos níveis e pelas procuradorias populares especiais. Os órgãos supervisores e judiciais da China são subordinados ao Comitê Central do Partido Comunista, sendo o Supremo Tribunal Popular o órgão judicial de maior hierarquia, e a Suprema Procuradoria Popular, o órgão supervisor de maior hierarquia.

De acordo com a Lei da Organização dos Tribunais da República Popular da China, os órgãos judiciais são compostos pelos tribunais populares básicos ("chuji renmin fayuan"); pelos tribunais populares intermediários ("zhongji renmin fayuan"); pelos tribunais populares especiais (militares, marítimos e ferroviários); pelos tribunais populares superiores ("gaoji renmin fayuan"); e finalmente, pelo órgão de maior hierarquia, o Supremo Tribunal Popular ("zuigao renmin fayuan").

As sessões dos tribunais populares são públicas, salvo nos casos relacionados a segredo de Estado, intimidades pessoais ou delinqüência juvenil. O acusado tem direito à defesa, que pode ser feita por si próprio, por advogados, parentes próximos ou tutor. Em virtude da estrutura do sistema judiciário, a maior parte dos juízes dos tribunais populares básicos é indicada pelo órgão administrativo local do Congresso Nacional do Povo - órgão máximo da República Popular da China. Entre os presidentes e vice-presidentes dos tribunais locais, apenas 19,1% possuem bacharelado em direito. Esse percentual diminui para 15,4% entre os juízes locais.

Ainda hoje, grande parte das despesas, custos e salários dos juízes locais é suportada pelo orçamento do governo local. Ademais, o cargo de juiz local não apresenta qualquer estabilidade, e qualquer um deles pode ser substituído a qualquer tempo pelo órgão administrativo local do Congresso Nacional do Povo.

No entanto, vale salientar que nos últimos anos o Poder Judiciário chinês vem envidando esforços para melhorar a qualidade técnica dos magistrados, sobretudo nos órgãos judiciários das grandes cidades. Por exemplo, o Tribunal Superior de Xangai vem indicando desde 1998, para os cargos de juízes dos tribunais locais, bacharéis em direito e com experiência profissional. Um dos motivos é o fato de que o Tribunal Superior de Xangai vem mantendo certa autonomia orçamentária, pois parte de sua fonte não é mais oriunda exclusivamente do governo local, o que acarreta em maior autonomia para tomar decisões, inclusive no que tange à indicação dos magistrados.

A valorização do profissional de direito, inclusive dos magistrados, vem aumentando de forma gradativa nos últimos anos. A China sabe da importância de manter uma estrutura judiciária adequada que possa garantir segurança jurídica não só aos investidores estrangeiros, mas principalmente à população chinesa. Incentivados pelo progresso do tribunal de Xangai, outros tribunais de outras jurisdições vêm tomando as mesmas medidas, incluindo cidades e províncias importantes como Pequim e Guangdong, o que demonstra a direção que a China tomará nos próximos anos.

Como qualquer país em desenvolvimento, a China enfrenta desafios relevantes. Com relação ao sistema judiciário, seria precipitado afirmar que uma estrutura centralizada é o único fator que pode gerar insegurança jurídica. Afinal, há países que, mesmo diante da independência formal do Poder Judiciário, se deparam com os mesmos desafios que a China para alcançar uma justiça correta e não protecionista.

Shin Kim e Arquelau So são, respectivamente, sócia responsável e advogado do "China Desk" do escritório TozziniFreire Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Judiciário tem novo entendimento em ações judiciais por erro médico

Judiciário tem novo entendimento em ações judiciais por erro médico
Luiza de Carvalho, de São Paulo
18/11/2008



A Justiça começa a apresentar entendimentos mais flexíveis em relação à responsabilidade dos hospitais por danos que foram causados a pacientes em decorrência de erros médicos. Em outubro, ao julgar um recurso interposto por um hospital, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) uniformizou o entendimento da corte no sentido de que a instituição não tem a obrigação de indenizar o paciente se o médico que causou o erro não é um funcionário contratado pelo hospital, mas apenas realizou uma cirurgia em suas instalações. Nas varas da Justiça e nos tribunais do país, decisões recentes contrariam a jurisprudência tradicional do Poder Judiciário para excluir a responsabilidade objetiva do hospital - pela qual não é necessário que os pacientes provem a culpa da entidade pelo dano causado -, se a demanda ajuizada trata de procedimentos estritamente técnicos dos médicos.

O número de ações judiciais que pedem indenizações por erros médicos é crescente no país - segundo dados do STJ, nos últimos seis anos elas aumentaram 155% e há atualmente 444 processos na corte sobre a matéria. O salto é explicado tanto pelo aumento do acesso da população ao Judiciário quanto pela consolidação da aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) nas relações entre médicos e hospitais e seus pacientes - o que confere uma proteção maior aos pacientes e, conseqüentemente, maior chance de vitória nas disputas judiciais. No entanto, em geral as ações são impetradas contra os hospitais, clínicas e laboratórios porque o código os classifica como prestadores de serviço cuja responsabilidade é objetiva - cabe aos estabelecimentos provarem que não têm culpa. Já no caso dos médicos, a responsabilidade tem sido considerada subjetiva - ou seja, é preciso que a parte autora da ação prove a culpa do profissional. Embora esse seja o entendimento majoritário na Justiça hoje, algumas decisões podem sinalizar uma mudança.

É o caso da primeira decisão sobre o tema tomada por uma seção do STJ. A ação foi movida contra o Hospital e Maternidade São Lourenço, de Santa Catarina, e dois médicos que não faziam parte de seu quadro de funcionários por uma paciente que perdeu os movimentos normais das pernas após uma cirurgia de varizes. Em primeiro grau, a Justiça condenou o hospital a responder solidariamente a um dos médicos e a indenizar a vítima em R$ 52 mil, além de fornecer a ela uma pensão vitalícia. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) reduziu o prazo de pagamento da pensão e manteve o entendimento, por considerar a "incontestável retribuição financeira" do hospital ao fornecer suas dependências.

Ao ajuizar um recurso especial no STJ, o hospital alegou que o Código de Defesa do Consumidor não seria aplicado ao caso porque os danos decorreram de procedimento médico e não dos serviços prestados pela instituição. Por quatro votos a três, os ministros deram provimento ao recurso, por entenderem que o hospital só responderia se tivesse indicado o médico para a cirurgia. No voto vencedor, o ministro João Otávio de Noronha afirma que não há relação de consumo no caso. De acordo com o advogado Eduardo Gofe, que defende o hospital, a tese da segunda seção do STJ já está sendo aplicada nas primeiras instâncias da Justiça em outros casos em que atua.

Essa é a percepção mais recente de advogados que atuam na defesa de médicos e hospitais - a tendência das primeiras instâncias da Justiça de somente responsabilizar objetivamente o hospital por erros médicos quando se trata de defeitos atinentes à própria atividade da instituição, como exames e acomodações. Há diversos acórdãos com esse entendimento nos tribunais de Justiça de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e no próprio STJ, todos posteriores a 2005. De acordo com Eriete Ramos Dias Teixeira, gerente jurídica do Sindicato dos Hospitais do Estado de São Paulo (Sindhosp) - que atua na defesa de mil hospitais, 1,7 mil laboratórios e cerca de 20 mil clínicas -, a tese começa a ser usada nos casos em que o dano foi decorrente da má-conduta médica. "Temos conseguido reduzir o valor das indenizações", conta. Para o advogado Edson Balbino, do escritório RBBM Advogados, que também atua na defesa de hospitais, essa nova corrente jurídica tem sido cada vez mais aceita nos processos em que atua. "A conseqüência disso é a redução de demandas oportunistas", diz Balbino.

No entanto, para o advogado Dagoberto José Steinmeyer Lima, da banca Advocacia Dagoberto J.S. Lima, especializada na defesa de hospitais e seguradoras, esse entendimento ainda está longe de prevalecer. Lima conta que, em casos recentes de erro médico em que está atuando, a Justiça tem inclusive eximido o médico da culpa para condenar somente a operadora, por considerar que o profissional atuou dentro dos limites técnicos oferecidos pelas instituições. "Defendemos sempre que o médico deve responder sozinho quando não é preposto do hospital", diz.

Além da alegação de que apenas falhas estruturais podem ensejar a responsabilidade objetiva de hospitais, há outros argumentos na tentativa de reduzir a culpa das instituições. De acordo com o advogado Sergio Coelho, do escritório Coelho, Anselmo & Dourado Advogados, em alguns casos em que a banca atua houve o entendimento, nas primeiras instâncias, de que certos riscos, como o de infecções hospitalares, seriam inerentes aos procedimentos médicos e que os hospitais, portanto, não podem assumir a culpa por isso. Segundo o advogado Alex Pereira Souza, sócio do escritório A. Couto Advogados Associados - que atua na defesa de médicos e hospitais -, um aspecto cada vez mais levado em consideração pelos juízes é o dever de informação dos riscos da cirurgia aos pacientes. Segundo ele, em recentes casos o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) exigiu que fosse demonstrado que foi feito um "termo de consentimento informado" para não haver a responsabilização dos profissionais e das instituições de saúde.

Na opinião de advogados que atuam na defesa dos consumidores, no entanto, a interpretação mais favorável às instituições e aos profissionais não tem chance de prevalecer no Judiciário nas ações envolvendo erros médicos. Para a advogada Flávia Lefèvre Guimarães, do escritório Lescher Lefèvre Advogados Associados, que auxilia diversos órgãos de defesa do consumidor, na maioria das decisões os hospitais e planos de saúde estão respondendo solidariamente e objetivamente aos erros médicos, conforme determina o Código de Defesa do Consumidor. Para Flávia, o procedimento correto é ingressar com ações judiciais somente contra os fornecedores, e não contra os médicos - isso porque, depois de paga a indenização ao paciente, a culpa pode ser apurada em outra ação judicial ajuizada pelo hospital contra o médico. Mas, para Flávia, o valor das indenizações ainda é baixo, o que, segundo ela, funciona como um estímulo para as práticas abusivas de fornecedores - em um caso recente, a advogada obteve 200 salários mínimos de indenização por danos morais a um paciente que quase ficou tetraplégico por conta de um erro médico.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Penhora on-line de veículos tem adesão de 38 tribunais

Penhora on-line de veículos tem adesão de 38 tribunais
Fernando Teixeira, de Brasília
27/08/2008



O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou ontem o sistema de penhora on-line de veículos, batizado como "Restrição Judicial de Veículos", ou "Renajud", que permitirá aos juízes restringir a transferência, licenciamento e circulação e penhorar os bens dos devedores judiciais. Logo depois do lançamento, o sistema recebeu a adesão de 38 tribunais do país, que passarão a cadastrar seus juízes interessados em fazer a penhora de veículos.


O Renajud foi idealizado em 2006 como uma adaptação para veículos do sistema denominado Bacen-Jud, mantido pelo Banco Central desde 2001 para permitir o bloqueio de depósitos em contas bancárias. Montado originalmente como uma iniciativa conjunta do Ministério da Justiça, do CNJ e do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), o novo sistema contou com o apoio de funcionários do Banco Central para levar o Bacen-Jud aos veículos. Pelo modelo utilizado, o juiz ganha uma senha e pode determinar o bloqueio dos bens segundo o CPF ou CNPJ do proprietário. Na proposta original, em uma segunda fase o sistema passaria a aceitar também pedidos de busca e apreensão - algo deixado de fora no sistema lançado ontem.


Hoje os pedidos de restrição de veículos são feitos apenas por ofício em papel, em geral diretamente ao Departamento de Trânsito (Detran) estadual, o que gera dificuldades para se estimar a demanda pelo sistema nacional quando implementado. Segundo dados de 2006, o Denatran recebia em média 15 mil ofícios judiciais ao ano para bloqueio de veículos - apenas o Detran de Minas Gerais tinha uma demanda de 60 mil pedidos.

Credor de precatório pede dano moral

Credor de precatório pede dano moral
Adriana Aguiar, de São Paulo
27/08/2008


Embora a Constituição Federal estabeleça a obrigatoriedade de pagamento dos precatórios devidos pela União, Estados e municípios, a demora no recebimento de valores que já deveriam ter sido pagos e a ausência de uma sanção mais eficaz - como a prevista na lei, que estabelece a possibilidade de intervenção do Estado, determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em casos de não-pagamento das dívidas - tem feito alguns credores entrarem na Justiça na busca por algum tipo de indenização em função da lentidão dos pagamentos. Alguns deles já obtiveram decisões favoráveis no Supremo e no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que aplicam multa de 20% sobre o valor devido pelos governos por conta do descumprimento da decisão judicial que determinou o pagamento dos precatórios. Por outra via, já estão dando entrada no Poder Judiciário as primeiras ações com pedidos de indenização por danos morais e materiais pelo não-pagamento de precatórios. Se julgadas procedentes, no entanto, o pagamento das indenizações deve ser feito por um outro precatório, com nova espera para o recebimento dos créditos.


Segundo o advogado Eduardo Gouvêa, presidente da Comissão de Precatórios da seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) e que já entrou com cinco ações pedindo indenização por dano moral e material, "os credores tem que ser indenizados pelo constrangimento que são obrigados a passar ao não receberem no prazo o que lhes é de direito". Ele ressalta, porém, que é provável que o recebimento de indenizações, se concedidas pela Justiça, dependa de outro precatório.


Um dos credores que Gouvêa assessora alega estar devendo a bancos e pagando alta taxas de juros enquanto aguarda o pagamento de um precatório já vencido no valor de R$ 600 mil. "Os danos morais são nítidos, já que há constrangimento do meu cliente, que não recebeu no prazo estipulado e possui dívidas a pagar", defende. Já o dano material tem sido calculado sobre a diferença de rendimento entre fundos de investimentos - que receberiam recursos de precatórios recebidos - e a correção de valores no Judiciário. "A perda é significativa, até porque a correção do valor na Justiça é muito inferior", afirma o advogado.


Um grupo de credores do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo (Ipesp) também resolveu entrar com um pedido de indenização por dano moral e material na Justiça neste mês. Os credores aguardam o recebimento de R$ 252 mil do Estado de São Paulo desde 2004, segundo o advogado que assessora o grupo, Luiz Fernando Andrade de Oliveira. Para não correr o risco de que uma eventual decisão judicial favorável possa vir a se tornar um novo precatório, o advogado limitou o pedido de indenização total em 40 salários mínimos - cerca de R$ 18 mil - por autor. O valor é o máximo previsto para que a indenização seja recebida pelas chamadas requisições de pequeno valor (RPVs), pagas fora da fila dos precatórios. Segundo a sócia de Andrade de Oliveira, a advogada Elizabeth Pereira Andrade, o escritório assessora cerca de três mil credores pensionistas do Ipesp. "A idéia é entrar com pedido de danos morais e materiais para todos os casos em que cuidamos em que o pagamento dos precatórios está atrasado e não ocorreu", afirma.


Além da alternativa de entrar com uma nova ação para pedir indenização por danos morais e materiais, também já há pedidos e decisões, no próprio processo de recebimento dos precatórios, que aplicam multas de 20% por descumprimento de ordem judicial. Somente o advogado Telmo Schorr, da comissão de precatórios da OAB gaúcha, já conseguiu cinco decisões de tribunais superiores - do Supremo e do STJ - em que foram aplicadas multas ao Estado do Rio Grande do Sul. Nos casos, os precatórios variavam de R$ 70 mil a R$ 150 mil. Nesses casos, o governo do Estado também tem tentado transformar os valores devidos em multas em novos precatórios. Mas, segundo o advogado, a tentativa tem sido frustrada. "Na execução, os juízes do Rio Grande do Sul têm autorizado o bloqueio do dinheiro da conta do Estado no Banrisul", afirma.


A última decisão obtida por Schorr no Supremo saiu no início deste mês. A ministra Cármen Lúcia aplicou a sanção baseada em decisões de diversos ministros que também já têm adotado a medida. A idéia da multa, segundo o advogado, teria uma função educativa. "A intenção é punir para que o Estado deixe de se comportar dessa forma", diz. As decisões são baseadas no Código de Processo Civil, que estabelece multa para a parte que não cumprir decisão judicial. "O Estado não pode ter um tratamento diferente de outras partes, todos nós estamos sujeitos a multa por descumprimento", afirma o advogado. "Se alguém atrasa o condomínio ou o pagamento de qualquer outra conta, por exemplo, paga multa, e a mesma lógica deve valer para o Estado."


Embora a tese tenha sido bem sucedida em um primeiro momento, devido ao grande número de pedidos de multa por atraso no pagamento de precatórios contra o Estado, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) tem diminuído o valor das multas mesmo diante das decisões dos tribunais superiores. O percentual começou a ser revisto por alguns desembargadores da corte gaúcha para valores entre 1% e 5%, temendo o impacto da tese nas finanças públicas.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

STF dá vitória provisória ao fisco

STF dá vitória provisória ao fisco
Fernando Teixeira, De Brasília
14/08/2008

Valor Economico

A União conseguiu uma vitória incontestável, ainda que provisória, no julgamento da medida cautelar pedida na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 18, que pede a inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins. Em um julgamento que durou cerca de 15 minutos, os ministros chegaram a uma maioria de nove votos a dois pela concessão da liminar. O resultado garante a constitucionalidade da cobrança da Cofins com o ICMS embutido ao mesmo tempo em que suspende o andamento de todas as ações sobre o tema em tramitação na Justiça de todo o país. Agora, falta o tribunal promover o julgamento definitivo da ação, o que deve ocorrer em um prazo máximo de 180 dias.

Além de frustrar, ao menos temporariamente, centenas de ações propostas por escritórios de advocacia que atuam para empresas nos últimos dois anos, a concessão da cautelar gerou uma nova expectativa. Ficaram ao lado dos contribuintes na tarde de ontem apenas os ministros Marco Aurélio de Mello e Celso de Mello, mas entre os outros nove magistrados, há esperança de novas mudanças de posição no julgamento do mérito da ação. O problema é que serão necessárias pelo menos quatro mudanças para reverter o quadro atual.

Na sessão de ontem, os ministros foram, na maioria, sucintos ao expor suas posições, deixando pouco espaço para especulações. Marco Aurélio e Celso de Mello deixaram claro que, no mérito, também serão favoráveis aos contribuintes. Outros ministros são tidos como notadamente "fazendários" e menos propensos a mudanças de posição no caso - como Menezes Direito, Gilmar Mendes e Ellen Gracie.

Uma das hipóteses levantadas por advogados é uma mudança de lado da ministra Cármen Lúcia. Ela votou pelos contribuintes no início da disputa em 2006, e na tarde de ontem ressaltou que sua posição sobre o tema é conhecida - pró-contribuinte -, justificando o novo voto unicamente pelo caráter cautelar da decisão: "Em que pese já ter votado, exclusivamente por uma questão de segurança jurisdicional, acompanho o relator", disse ao votar. Outra possível mudança de lado, para alguns advogados, é do ministro Ricardo Lewandowski, também com voto pró-contribuinte em 2006. Mas ele justificou suas razões em outra linha: segundo ele, em 2006 tratava-se de um processo "de índole subjetiva" - um recurso extraordinário, e não uma ADC - e frente à difusão de decisões divergentes nas primeiras instâncias, deferiu a liminar. O próprio relator, Menezes Direito, abriu pouco espaço para o debate do mérito e limitou-se a defender a segurança jurídica. "Há clara divergência de interpretação nas decisões já proferidas. Enquanto o Supremo não decide, os agentes ficam sujeitos às flutuações de jurisprudência", disse.

O presidente da corte, ministro Gilmar Mendes, citou um artigo pouco conhecido da Lei nº 9.868, de 1999, que disciplina o ajuizamento de ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) e de ADCs, para exigir que o prazo máximo para o julgamento do mérito do caso seja de 180 dias. "E esperamos fazê-lo em tempo abreviado", completou, indicando que não é sua intenção transformar a cautelar em decisão definitiva. A transformação de liminares em decisões definitivas é vista como um procedimento comum no Supremo, mas freqüente em casos em que o mérito do tema é debatido com maior profundidade ainda na liminar, o que não foi o caso.

Apesar da mudança incomum entre o placar do julgamento de 2006 e o realizado ontem (veja quadro acima), o resultado não pegou de surpresa nem advogados nem procuradores da Fazenda. A alteração no placar foi garantida por uma estratégia inédita do governo, por fim bem-sucedida. Os contribuintes tinham a vitória garantida até meados de 2007, quando a Advocacia-Geral da União (AGU) propôs a ADC com o intuito de neutralizar a derrota iminente no Recurso Extraordinário nº 240.785, levado ao pleno do Supremo em agosto de 2006. Desacreditada de início por advogados tributaristas, a estratégia da ADC consolidou-se aos poucos e passou facilmente pelo pleno do Supremo em maio deste ano. Por uma maioria de sete votos a três, os ministros deixaram de lado o antigo recurso extraordinário e, na tarde de ontem, apenas confirmaram a vitória da União.

Judiciário confirma que árbitro é o responsável por arbitragem

Judiciário confirma que árbitro é o responsável por arbitragem
Zínia Baeta, De São Paulo
08/08/2008


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Desde a declaração da constitucionalidade da Lei de Arbitragem pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2001, a Justiça brasileira vêm reafirmado a validade da aplicação do instituto no país em inúmeras decisões sobre o tema. Casos como a habilitação de créditos apurados via arbitragem em falências e o uso do instrumento por empresas em recuperação extrajudicial ou de economia mista já passaram pelo crivo favorável do Poder Judiciário. Em um novo aspecto dentro dessas discussões, a Justiça tem decidido que não cabe a ela avaliar se existem falhas ou vícios nas cláusulas de arbitragem, pois essa seria uma função do árbitro. Ainda há poucas - mas significativas - decisões no país, dos tribunais de Justiça do Rio, São Paulo e do Paraná. Nesses processos, a Justiça não entra no mérito das ações, determinando que o árbitro responsável pelo procedimento arbitral deverá decidir se o conflito pode ou não ser solucionado pelo método extrajudicial.


Os julgamentos baseiam-se no parágrafo único do artigo 8º da Lei de Arbitragem. O dispositivo estabelece que cabe ao árbitro decidir as questões sobre a existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória. O advogado André Camerlingo, sócio do escritório L.O. Baptista Advogados Associados, afirma que ainda é raro ver a aplicação do artigo 8º da lei em decisões judiciais brasileiras. No entanto, segundo ele, trata-se de um princípio aplicado mundialmente, denominado "competência-competência", pelo qual cabe ao tribunal arbitral decidir, primeiramente, se possui ou não competência para julgar uma determinada controvérsia. Nessa linha, ele lembra de dois precedentes, um do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e outro do Paraná.


A advogada Selma Lemes, especialista no tema e titular do escritório que leva seu nome, cita um precedente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) em que a corte julgou não competir ao Judiciário avaliar a validade de cláusula, mas sim ao próprio árbitro nomeado. No processo, uma das partes buscava a rescisão de um contrato de compra e venda de imóvel, que continha uma cláusula arbitral. A primeira instância julgou a ação e atendeu parcialmente o pedido da parte, o que foi reformado pelo tribunal. "É uma das decisões mais pontuais sobre a questão", diz.


Em um julgamento recente em que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que empresas em recuperação extrajudicial podem utilizar a arbitragem, a corte também acatou esse argumento. Dentre os diversos pontos considerados pelo tribunal, um deles foi o de que "questões atinentes à existência, validade e eficácia da cláusula compromissória deverão ser apreciadas pelo árbitro".


Segundo Pedro Batista Martins, advogado especializado na área e um dos co-autores da Lei de Arbitragem, apesar desses precedentes, o artigo 8º da norma não tem sido muito testado. Um dos primeiros casos a chegar em um tribunal superior, de acordo com ele, é o conhecido "caso Americel". O STJ, na época, decidiu que a empresa deveria se submeter à arbitragem para decidir um conflito com oito representantes da telefonia celular da região Centro-oeste do país. No acórdão da terceira turma, os ministros afirmaram que "se houve ou não descumprimento de cláusulas contratuais, isso é matéria para ser decidida pelos árbitros e não por procedimento judicial".

segunda-feira, 16 de junho de 2008

O Poder Judiciário e a punição da pirataria

O Poder Judiciário e a punição da pirataria
Marcos Chucralla Moherdaui Blasi
16/06/2008

Que a pirataria é um mal, praticamente todo mundo concorda. A pergunta que fica no ar é a seguinte: será que os nossos tribunais têm realmente feito sua parte para uma efetiva coibição dessa prática?

Sinônimo de informalidade, de não-recolhimento de tributos, de desestímulo à atividade regular e ao investimento em novas marcas, produtos e tecnologias - o chamado investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) -, gerando inevitável perda de competitividade, a pirataria é sempre associada a prejuízo à economia formal. De grandes proporções. O grave problema da pirataria não fica restrito ao âmbito nacional, sendo, ao contrário, uma preocupação de ordem global, o que explica a forte pressão internacional no sentido da adoção de medidas efetivas de combate, seja por parte das autoridades aduaneiras - para evitar a entrada de produtos pirateados no país - seja por meio de ações institucionais, policiais e judiciais - para fomentar uma ampla cultura antipirataria e coibir firmemente práticas desse tipo.

Não por acaso, na mídia, as megaapreensões de produtos falsificados conduzidas pela Polícia Federal e por delegacias estaduais especializadas ganham cada vez mais destaque. Segundo estimativa do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos Contra a Propriedade Intelectual do Ministério da Justiça (CNCP), nada mais nada menos do que oito milhões de CDs e DVDs falsificados foram apreendidos em território nacional apenas em 2007.

Em outro front, Estado e entidades representativas de empresas e de consumidores se mobilizam na tentativa de conscientizar a sociedade quanto à importância de não adquirir produtos falsificados. Consideráveis esforços têm sido recentemente direcionados também às escolas, de modo a educar as crianças desde o berço. A discussão sobre pirataria tem sido corretamente colocada em um contexto mais amplo, de estímulo à inovação e ao empreendedorismo de nossas empresas, a gerar resultados muito mais duradouros para o país.

Mas e em nossas cortes, como está a batalha? Infelizmente, nesse campo as medidas não têm sido tão efetivas. A lei brasileira, a exemplo da maioria das legislações estrangeiras, considera a violação a marcas, patentes, desenhos industriais ou direitos autorais algo contrário ao direito, punindo civil e criminalmente aqueles que o praticam. Assim, uma vez demonstrada a contrafação, o indivíduo tem que cessar, imediatamente ou em curtíssimo prazo, essa prática e ressarcir os titulares desses direitos pelos prejuízos causados.

Enquanto não houver punição do infrator em seu bolso, a pirataria continuará com a imagem de crime sem castigo

Pois bem. Em relação à cessação dessas infrações, o Poder Judiciário tem sido bastante efetivo, não raro proibindo, imediatamente, a comercialização de um produto contendo uma marca que reproduz ou imita a marca anterior de seu concorrente, por exemplo, sob pena de uma significativa multa diária em caso de descumprimento da ordem. Em outros casos, os juízes chegam até a determinar o recall dos produtos contrafeitos já existentes no mercado.

O problema surge quando o que está em jogo é a indenização devida em razão dessas violações. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu um grande passo, em 2003, ao concluir que não é necessário que o titular faça prova do prejuízo real, pois o direito à indenização decorreria automaticamente da violação, considerada, em si, extremamente danosa ao titular de direito. Assim, provada essa, devida aquela, que seria calculada posteriormente. Entretanto, alguns tribunais de Justiça (TJs) estaduais ainda relutam em seguir tal orientação, defendendo a aplicação , também a esses casos, da regra geral do Código Civil brasileiro segundo a qual quem alega prejuízo tem que trazer provas de que ele, de fato, ocorreu.

Lamentavelmente, na contramão do STJ e da doutrina especializada, essas decisões têm tolhido dos titulares o direito à obtenção do justo ressarcimento pela violação de uma propriedade protegida pela Constituição Federal, além de passarem ao contrafator a indigesta sensação de que a falsificação compensa, uma vez que seu bolso raramente é afetado. Afinal, é até intuitiva a constatação de que a mera comercialização de um produto idêntico com marca semelhante, ou mesmo que reproduza o objeto protegido por uma patente, por si só, traz enormes prejuízos ao seu titular, pois os falsificadores acabam por atrair indevidamente para si os clientes do titular, além de vulgarizar o produto original.

Por outro lado, é muito difícil apurar antecipadamente o prejuízo real, até porque os infratores geralmente se valem de todos os meios possíveis - legais ou ilegais - para acobertar a real dimensão da violação. Não sem razão, a legislação brasileira de Propriedade Industrial - a Lei nº 9.279, de 1996 - estabelece uma série de formas de apuração desse valor em um momento posterior da ação judicial, denominado liquidação de sentença, não se podendo condicionar o reconhecimento do direito a uma indenização à prévia apresentação de uma prova verdadeiramente diabólica.

Enquanto nossos tribunais não se derem conta da importância de punir o infrator em seu bolso, a pirataria continuará passando a imagem de um crime sem castigo.

Marcos Chucralla Moherdaui Blasi é advogado especializado em propriedade intelectual e sócio do escritório Gusmão e Labrunie Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

'Modulação' de efeitos de decisão do Supremo evita perdas à União

'Modulação' de efeitos de decisão do Supremo evita perdas à União
Fernando Teixeira, de Brasília
13/06/2008

A disputa sobre o prazo de dez anos para a cobrança de débitos previdenciários foi encerrada ontem pelo Supremo Tribunal Federal (STF) com a declaração da "modulação" dos efeitos da decisão - ou seja, sua não-retroatividade - de modo a evitar perdas para a União. Com a decisão, a União não precisará devolver aos contribuintes cerca de R$ 12 bilhões já recolhidos com base no prazo declarado inconstitucional. Por outro lado, terá de abrir mão de cobrar outros R$ 63 bilhões em contribuições ainda em fase de cobrança administrativa ou judicial e perderá uma receita prevista em R$ 20 bilhões em tributos incluídos em programas de parcelamento. O Supremo também aprovou uma súmula vinculante sobre o tema - a oitava da corte -, o que obriga a Receita Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) a seguirem a mesma regra.

A fórmula de modulação proposta pelo presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, e aprovada pelos colegas, ficou em um meio-termo entre o pedido feito pela Fazenda Nacional e a posição defendida pelos contribuintes. Gilmar acolheu parcialmente o pedido da Fazenda, impedindo os valores já recolhidos de serem devolvidos, e ao mesmo tempo impedindo o fisco de cobrar aquilo que ainda não foi recolhido - os débitos em cobrança judicial ou administrativa. Apenas os tributos recolhidos mas já contestados até a data do julgamento - a quarta-feira - poderão ser reclamados pelos contribuintes.

Segundo o procurador-adjunto da Fazenda Nacional, Fabrício da Soller, o resultado não significa que a União terá uma perda de arrecadação de R$ 83 bilhões, somados os tributos em fase de cobrança e parcelados. Isso porque, historicamente, o índice de recuperação dos tributos não pagos é muito pequeno. A dívida ativa, diz, tem uma recuperação de apenas 2% a 3% ao ano. Parte dos tributos incluídos em parcelamento também não chega aos cofres da União, pois muitas empresas são excluídas dos programas ao longo do tempo. "O mais danoso para o fisco seria ter que devolver o que foi recolhido", afirma.

Os advogados dos contribuintes, de maneira geral, também saíram satisfeitos com o meio-termo adotado na modulação. O maior temor era uma declaração de não-retroatividade total da decisão, o que significaria constitucionalizar todos os lançamentos tributários feitos com base no prazo de dez anos. Assim, as empresas que contestaram a tributação na Justiça ou no Conselho de Contribuintes perderiam imediatamente a causa. Ou seja, os R$ 83 bilhões em ações de cobrança e parcelamentos já existentes seriam automaticamente legalizados, favorecendo o fisco.

Houve alguma insatisfação de advogados devido à parte do pedido da Fazenda aceita pelo tribunal. O Supremo vetou ações de repetição de indébito - ou seja, de recuperação de tributos pagos a mais - ajuizadas após o julgamento de quarta-feira. Isso impede os advogados de entrarem com ações para clientes que já recolheram o tributo cobrado pelo fisco mas ainda não o questionaram - algo raríssimo, admitem alguns dos tributaristas. Segundo a Fazenda, seriam mesmo raros os casos de contribuintes que pagaram as autuações regularmente e só depois questionavam o caso na Justiça. Em geral, não pagavam e discutiam o caso administrativamente ou na Justiça.

Com a aprovação da Súmula Vinculante nº 8, proposta pelo ministro Cezar Peluso logo após a decisão, tanto a Receita Federal como a PGFN precisarão tomar providências internas para atender à determinação do Supremo. Os servidores dos órgãos precisarão anular autos de infração feitos com base na prescrição de dez anos e os processos judiciais de cobrança devem ser encerrados.

Valor On Line

Bloqueio de contas: a injustiça

WALTER CENEVIVA

Bloqueio de contas: a injustiça

A desconsideração da personalidade jurídica não deve causar dano às condições de subsistência do devedor

SOB O ARGUMENTO DE amparar o trabalhador, a Justiça do Trabalho tem ordenado bloqueios injustos em contas correntes de pessoas físicas, sem ponderar com mais cautela que muitos dos atingidos pela medida podem ter seu direito violado. O corregedor-geral daquele braço do Judiciário, ministro João Delazem, propôs, há algum tempo, maiores cuidados na concessão do bloqueio, mostrando sensibilidade para o problema e para as conseqüências negativas dele originárias.
Tomei a Justiça do Trabalho como exemplo inicial. A Justiça Civil precisaria da mesma cautela por aplicar, sem leitura mais atenta dos Códigos Civil, de Defesa do Consumidor e Tributário, a desconsideração da personalidade jurídica.
As três leis autorizam o bloqueio de ativos bancários, se a pessoa jurídica comete abuso de direito, pratica fato ou ato ilícito ou viola estatutos e contratos sociais. Quem se oculte por trás da entidade empresarial, na condição de sócio ou administrador, causando dano, deve responder com seu próprio patrimônio, mas, não comprovada a responsabilidade, caracteriza-se o abuso de direito.
O processo para bloquear contas se faz pelo sistema Bacen-Jud. O magistrado o realiza por meio do Banco Central. Emite ordem eletrônica sobre fundos em qualquer conta do atingido, em instituições financeiras situadas no Brasil. A ilegalidade é mais grave na área tributária, quando a pessoa física atingida não teve participação ou responsabilidade pelo não-pagamento do tributo pela pessoa jurídica.
O objetivo do bloquear é garantir o direito do credor, o que, em princípio, é correto. Não deve, porém, causar dano às condições pessoais de subsistência do devedor ou desrespeitar as normas que o autorizam. De outro modo, quando o bloqueio não é seguido pela imediata transferência dos fundos bloqueados para a conta judicial, o juiz beneficia o banco, que continua a movimentar os valores depositados. O devedor perde a disposição deles. O credor não vê a execução encaminhada. Só a instituição financeira ganha.
Outro abuso é bloquear o montante da dívida em mais de um banco, ainda que a soma dos bloqueios ultrapasse o valor do débito. O credor dirá que basta ao devedor requerer a limitação para que o juiz corrija o excesso. O argumento é falso. Não considera a freqüente falta de presteza do desbloqueio. A espera é mais injusta que o calote evitado.
O artigo 50 do Código Civil indicou as limitações a serem respeitadas. O texto severo do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, com restrições da ordem de bloquear, reclama atenção. Também se incluem no dever de prudência os artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional, na verificação da prescrição, em particular quando evidente. Conheço um caso de cobrança, na Justiça Federal, em execução contra suposto diretor de pessoa jurídica falida há quarenta anos. Digo suposto porque nunca esteve na direção da empresa. São fatos chocantes que não contribuem para o prestígio da Justiça oficial.
Em tese, a desconsideração da personalidade jurídica é boa. O bloqueio é bom. Na prática, ambos não podem servir para enriquecer bancos, facilitar a esperteza de credores inescrupulosos ou, ainda, sacrificar recursos essenciais à subsistência dos devedores.

sábado, 24 de maio de 2008

Anonimato criminoso




São Paulo, sábado, 24 de maio de 2008



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WALTER CENEVIVA

Anonimato criminoso

Revelar a identidade daquele que quis ocultar-se ao ofender a honra de alguém não viola o direito da livre manifestação

CONTINUAM CHEGANDO AOS tribunais questões relativas a abusos cometidos nos sistemas eletrônicos de comunicação via internet, com ofensas à honra e à dignidade de pessoas. O uso dos novos meios de divulgação para atingir inimigos, causando-lhes prejuízo com a difusão de informações falsas, agrava-se seriamente quando feito sob proteção de anonimato que lhes seja permitido.
Em nosso país, a questão vem claramente distinguida em duas partes fáceis de compreender. De um lado, como valor social indiscutível, está a liberdade plena da manifestação do pensamento. Não há democracia sem que essa garantia seja resguardada. De outro lado, como valor individual fundamentalíssimo, a preservação da vida, da intimidade, da imagem e da honra das pessoas.
Os dois segmentos, assegurados pela Carta Magna, têm, como um de seus elementos básicos, a proibição do anonimato. Quando se trata de comunicações destinadas ao público em geral, o anonimato nega o direito da vítima. Resulta em benefício danoso daquele que se esconde criminosamente, na certeza de que não será chamado a responder pelas conseqüências de sua ilicitude. Essa conduta é inaceitável.
Perde-se na noite do tempo a grita contra a divulgação anônima de ofensas ou de versões desairosas sobre pessoas ou grupos. Do mesmo modo, tem sido preservada a liberdade de emitir opiniões críticas, ainda que desagradem aos atingidos. O ponto do equilíbrio entre o direito individual e o direito geral é difícil de situar em cada caso, mas continua inaceitável quando, na atualidade, o sistema eletrônico, ao preservar seus clientes não identificados, garanta o anonimato do ofensor. Trato do tema depois de debate em mesa na Universidade Anhembi-Morumbi à qual compareceu, entre outros, Frederico Vasconcelos, expoente de nosso jornalismo investigativo em textos assinados por ele.
A imposição de revelar a identidade daquele que quis ocultar-se ao ofender a honra de alguém não viola o direito da livre manifestação. A divulgação ofensiva sem autoria conhecida é o oposto da democracia.
O governo do povo, pelo povo, seria impensável se, na amplitude dos "orkuts" e dos blogs, a agressão da honra tivesse compatibilidade com o anonimato. Pensamento anônimo pode existir na divulgação, desde que não interfira na órbita do direito de terceiros.
Posta a mesma questão em face da ciência jurídica, sabe-se que o direito se destina a coordenar as relações interpessoais, para repetir a feliz frase de Del Vecchio. Coordenação pacífica, equilibrada. Essas qualidades não sobrevivem e são impossíveis de serem preservadas ao se unirem o emissor ofensivo e o meio que propicia a comunicação pública, oral ou escrita, eletrônica ou impressa, que proteja o autor de crime contra a honra, punido pela lei.
Onde, pois, o equilíbrio? Incluídos meios velhos e novos sob a designação de comunicação social, tomada como gênero, é imprescindível submetê-los aos mesmos critérios de clareza aceitos tradicionalmente. Não fosse assim, estaríamos privilegiando a irresponsabilidade dos anônimos em face dos que, no exercício profissional de serem comunicadores, são constantemente chamados a garantir o direito de resposta sob o risco de sanções penais e econômicas.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Tabela de processos

Tabela de processos

15/04/2008



A Justiça em todo o país terá uma tabela nacional de assuntos de movimentações processuais e de classes processuais. De acordo com a ministra Ellen Gracie, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), a medida permitirá que o Judiciário, da primeira à última instância, passe a denominar da mesma forma todos os processos e todas as movimentações processuais. Ela também explicou que a tabela nacional foi adaptada a cada um dos ramos do Judiciário. A nova regra vale para todos os processos em tramitação. A mudança já alcançou cerca de 110 mil processos, bem como todos os assuntos de repercussão geral. "Portanto, a partir de agora, será mais fácil selecionar os temas e, eventualmente, sobrestar esses processos", afirma.

terça-feira, 8 de abril de 2008

TJs devem julgar 'esqueleto' do real

TJs devem julgar 'esqueleto' do real
Juliano Basile, de Brasília
08/04/2008

Valor on line

O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá ser chamado a verificar caso a caso as ações em que bancos tentam se livrar da correção de aplicações financeiras na passagem da URV para o real, entre julho e agosto de 1994. O tribunal está atuando com o objetivo de tomar uma única decisão neste caso, que seja válida para todo o país. Mas a primeira liminar concedida pelo Supremo a favor de um banco já está sendo contestada, sob a alegação de que a corte não verificou as peculiaridades do caso específico. Com isto, os bancos devem demorar mais tempo para se livrar do "esqueleto" do real - ao invés de obter uma decisão única, eles terão de esperar por julgamentos individuais para cada caso em andamento na Justiça. E a tentativa do Supremo de evitar a proliferação de recursos idênticos na corte pode, ao menos neste caso, fracassar.


O Supremo está discutindo qual é o índice que deve ser utilizado para corrigir os contratos, títulos públicos e aplicações financeiras na época da conversão da moeda, no início do Plano Real. As empresas defendem o IGPM, mas os bancos alegam que a correção já foi realizada pelo IGP-2 e que, portanto, não haveria razões para rever os contratos. A diferença entre os índices é de 39%, mas ainda devem ser aplicados juros e correção monetária. O Tesouro Nacional fez uma estimativa ao Supremo indicando que, caso haja a troca do índice, o prejuízo aos cofres públicos seria de R$ 26,5 bilhões. Os bancos privados também perderiam dezenas de bilhões de reais.


O Supremo tomou duas decisões absolutamente inovadoras neste caso. Na primeira, concedida em agosto de 2006, pelo então ministro Sepúlveda Pertence, o tribunal paralisou o andamento de todos os processos sobre o assunto em andamento no país até uma decisão final do Supremo. Na segunda, dada pelo ministro Celso de Mello em setembro do ano passado, derrubou uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que teria "furado o bloqueio" imposto pelo Supremo. O objetivo destas liminares foi o de permitir um único julgamento sobre o caso, evitando a proliferação de ações repetitivas no Supremo.


O problema é que as empresas deverão pedir ao Supremo que mantenha as decisões das outras instâncias baseadas na Lei do Real - a Lei nº 8.880. Apenas as decisões fundamentadas na Constituição Federal passariam pelo julgamento geral da corte. A possibilidade de as empresas pedirem o julgamento caso a caso foi verificada já na liminar dada pelo ministro Celso de Mello - a primeira sobre o assunto - e deve se repetir nas demais ações.


Neste caso, o TJSP julgou um processo sobre a correção de contratos bancários na época da implementação do real e condenou o Banco Itaú BBA a fazer a correção para a empresa Petropar. O Itaú BBA ingressou, então, com uma reclamação no Supremo alegando que o tribunal local descumpriu a decisão da corte. O caso foi parar nas mãos do ministro Celso de Mello, que não apenas derrubou a decisão do TJSP como advertiu os desembargadores daquele tribunal de que não poderiam descumprir a determinação de Pertence de suspender os julgamentos sobre o assunto até a decisão final do Supremo. "Parece-me que o julgamento do egrégio TJ do Estado de São Paulo teria desrespeitado a autoridade da decisão que o eminente ministro Sepúlveda Pertence proferiu", afirmou Mello à época.


O problema é que, agora, foi divulgada a decisão do TJSP e, nela, verifica-se que, nos debates, os desembargadores reconheceram a decisão de Pertence e concluíram que não poderiam afrontá-la. Por isto, se negaram a discutir a correção das aplicações em URV para o real sob o ponto de vista constitucional, discussão que seria de competência do Supremo. O que eles fizeram foi julgar o assunto tendo como base a lei de conversão da moeda - a Lei nº 8.880, de 1994. Ou seja, os desembargadores entenderam que não poderiam discutir o assunto pela Constituição, então o fizeram pela lei.


O desembargador Elmano de Oliveira fez questão de ressaltar que não estava decidindo sobre a inconstitucionalidade da Lei nº 8.880. "O ponto central do embate, travado ao longo do processo, consiste na inaplicabilidade do referido dispositivo legal à época do contrato", afirmou. O desembargador Carlos Luiz Bianco também enfatizou que a questão é "fundamentalmente contratual" e que está "ausente eventual incursão constitucional". E o desembargador Tersio José Negrato citou a decisão de Pertence para, em seguida, dizer que o processo tratava do contrato e da lei, e não de um assunto constitucional.


Este caso mostra como será difícil para o Supremo exercer seu controle sobre os demais tribunais do país. A liminar de Pertence determinando a suspensão de todas as ações sobre o assunto em trâmite no país - medida chamada na corte de sobrestamento de recursos - foi a primeira deste tipo e firmou o papel do Supremo no controle da Constituição perante todas as instâncias da Justiça e já serviu como precedente em outras ações. Mas o que se verifica agora, no caso dos bancos, é que, como cada processo possui peculiaridades, na prática o tribunal poderá ser chamado a examinar cada ação individual para verificar se a decisão está fundamentada na Constituição - caso em que somente o Supremo pode decidir - ou na lei - caso em que os tribunais de segunda instância podem se manifestar. Se no caso em que foi dada a liminar de Celso de Mello existe a alegação de que o julgamento não afrontou o Supremo, o mesmo pode ocorrer com outras milhares de ações que tratam do mesmo tema.


Só o Itaú BBA tem ações de R$ 220 milhões. No processo específico da Petropar foram realizados quatro contratos de "hedge" (proteção cambial) com o banco para evitar possíveis prejuízos com a volatilidade da moeda. Os contratos foram assinados em outubro de 1993 e duraram um ano. Ao fim, a empresa queria corrigi-los pelo IGP-M. o que lhe daria R$ 19,1 milhões. Mas o banco alegou que deveria seguir o IGP-2, o que resultaria em um custo de apenas R$ 4,1 milhões. A Petropar diz que teve prejuízo de R$ 15 milhões por causa da diferença entre os índices. Já o banco argumenta que agiu corretamente na correção.


Em julgamento realizado em outubro, seis dos onze ministros do Supremo - Menezes Direito, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Joaquim Barbosa - aceitaram julgar a ação proposta pelos bancos para centralizar o debate sobre a correção dos contratos em URV na própria corte. Foi um primeiro passo para centralizar a questão no Supremo. Outros dois ministros foram contrários - Marco Aurélio de Mello e Carlos Ayres Britto - e o ministro Cezar Peluso pediu vista do processo, adiando a definição neste ponto. Após esta discussão inicial, o Supremo ainda terá que julgar o mérito da correção da URV e dizer qual índice deverá ser aplicado aos milhares de contratos assinados na época.

STJ - Audiência realizada com ausência justificada do representante ministerial é nula

DECISÃO
Audiência realizada com ausência justificada do representante ministerial é nula
É nula a audiência realizada com a ausência justificada do representante do Ministério Público, quando comprovado o prejuízo causado, pela absolvição do agente, por insuficiência de provas. O entendimento é da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do recurso do Ministério Público de Minas Gerais (MP), o qual questiona decisão do extinto Tribunal de Alçada do Estado.

O caso trata do impedimento de qualquer representante do Ministério Público de participar das audiências na comarca de Bom Sucesso (MG), enquanto as prerrogativas do MP não forem estabelecidas na conformidade da determinação do procurador-geral de Justiça e do corregedor-geral do MP.

Isso porque a juíza de Bom Sucesso (MG) expediu ordens de serviço que feriam as prerrogativas inerentes ao exercício das funções dos representantes do MP, dando causa, desse modo, ao afastamento dos seus representantes das audiências da comarca, conforme determinação da Câmara dos Procuradores de Justiça. Como conseqüência disso, a Corregedoria-Geral da Justiça determinou, na representação 7995/2002, a revogação das ordens da juíza de 1º grau.

Nessas circunstâncias, segundo a Procuradoria-Geral da República, “o magistrado, condutor do processo, deverá, quando justificada a ausência, designar outra data para a realização do ato processual, ou, quando injustificada, comunicar ao substituto legal para que participe da audiência”.

A magistrada, contudo, entendeu injustificada a ausência e deu seguimento à audiência, o que resultou na absolvição do acusado por insuficiência de provas.

Recurso

O recurso do MP é contra a decisão do extinto Tribunal de Alçada mineiro que indeferiu a apelação criminal na qual se sustentou a nulidade dos atos processuais realizados sem a presença do representante ministerial.

Para isso, alegou que a ausência de seu representante na audiência de instrução e julgamento vulnerou normas procedimentais e trouxe prejuízo para a apuração de verdade, tanto que o acusado foi absolvido por insuficiência de provas.
A relatora, desembargadora convocada Jane Silva, entendeu que o processo deve ser declarado nulo a partir da audiência realizada sem o representante do Ministério Público, sobretudo por haver comprovação do prejuízo, configurado na sentença que absolveu o acusado por insuficiência de provas.

Coordenadoria de Editoria e Imprensa

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quarta-feira, 12 de março de 2008

A teoria da conspiração e o Poder Judiciário

A teoria da conspiração e o Poder Judiciário
Marcos Lobo de F. Levy e Gabriel Tannus
11/03/2008
Recentemente, a figura do "sham litigation" foi resgatada do mundo jurídico americano para sustentar, aqui no Brasil, o argumento segundo o qual, a Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça, deveria adotar postura rígida em relação à conduta de determinados agentes econômicos quanto ao fato de estes buscarem na Justiça direitos que seriam abusivos e, portanto, com uso de má-fé.
A tese que vem sendo defendida aponta para um alvo com a precisão de um míssil teleguiado: os laboratórios farmacêuticos que estariam, utilizando o processo civil como instrumento de ilegítima e abusiva extensão de proteção de patentes.
Neste caso, a acusação de uso de má-fé é vazia, já que não se esclarece quem seriam estas indústrias que abusam do Judiciário, e por que haveria tanta certeza de que a prestação jurisdicional procurada por estas empresas configuraria o que se chama de "sham litigation"?
Entende-se por "sham litigation", como definido pela Suprema Corte Americana, uma ação que, objetivamente não tem base legal nem mérito e, portanto, nenhum litigante razoável poderia, realisticamente, esperar uma decisão processual a ele favorável servindo, destarte, como mero empecilho à livre concorrência.
No Brasil, a legislação de propriedade industrial e o processamento de pedidos de registro de patentes, assim como em outros países, são extremamente técnicos e burocráticos. Mais que isso, há na legislação brasileira, além das patentes regulares, as reguladas pelos artigos 230 e 231 da Lei 9.279, de 1996, que obedecem a critérios diferentes. Qual delas seria o objeto de casos de "sham litigation" no Brasil?
Vale destacar que a legislação brasileira, especialmente o Código de Processo Civil - Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - possibilita a aplicação de sanções a quem se utiliza do Judiciário para fins escusos, ilegais ou protelatórios (artigo 17) ou propõe ações sem base legal nem mérito. Para isso, entretanto, é preciso demonstrar que, de fato, determinado litigante está agindo de má-fé no uso do Poder Judiciário. Aqueles que não têm o domínio de um tema tão complexo como este podem ser induzidos a pensar que o Poder Judiciário não estaria tendo o discernimento necessário ao examinar as causas propostas na tentativa, exclusiva, de impedir a concorrência.
Faz-se necessário lembrar ainda que, o artigo 188 do Código Civil Brasileiro, indica que não constitui ato ilícito o exercício regular de um direito reconhecido.

É preciso demonstrar que, de fato, determinado litigante está agindo de má-fé no uso do Poder Judiciário
Ressalte-se que o direito de acesso ao Judiciário está devidamente previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.
Aliás, nossas considerações vão no sentido de que os próprios críticos admitem que nenhuma empresa assumiria o risco de produzir e comercializar medicamentos genéricos enquanto perdurasse uma situação de indefinição jurídica. Ora, se há indefinição jurídica é porque o Judiciário precisa se manifestar a respeito da situação e, se é assim, onde estaria o alegado abuso de direito ou a má-fé?
É fato que o uso do Poder Judiciário não deve servir como meio de impedir a concorrência. Entretanto, a busca da preservação de direitos patentários, tão necessários às empresas de investimentos vultosos em pesquisa, não se enquadra neste uso indevido que se tenta impingir à indústria farmacêutica de inovação.
Há também hoje um questionamento, ou uma inferência, quanto à negociação entre governo e os titulares do direito patentário de que, com a manutenção do direito de patentes, o governo seria obrigado a adquirir os fármacos pelo preço exigido pelo laboratório e, por isso, seria impedido de ampliar o acesso da população aos medicamentos. Aviltaria assim, sua política de saúde pública.

Aviltante mesmo é desconhecimento existente em relação ao fato de o Brasil ser um dos poucos mercados no mundo em que o preço do medicamento é controlado por critérios draconianos e a sua definição, cujas bases são referenciadas em outros países, leva em conta o impacto que o preço terá sobre o orçamento das compras governamentais e nos programas oficiais de acesso.

Portanto não se pode falar em imposição de preço ou deliberação de qualquer natureza que venha a impedir o consumidor de ter acesso a drogas inovadoras. De outra parte, os medicamentos genéricos são mais baratos não por uma questão de generosidade, mas por imposição da lei.

Ademais, a característica do próprio negócio desobriga os produtores de genéricos a investir e desenvolver medicamentos, pois a indústria farmacêutica de pesquisa já fez os investimentos necessários e, ao contrário do que se possa presumir, ela não veio para aniquilar a concorrência. Ao contrário, a indústria de pesquisa existe justamente para alavancar e dar oportunidade a outros agentes econômicos de igualmente participar do mercado, sem ter que defender, disfarçadamente, interesses e teorias conspiratórias construídas exclusivamente para confundir a opinião pública.

Marcos Lobo de Freitas Levy e Gabriel Tannus são, respectivamente, advogado especializado em propriedade industrial do A. Lopes Muniz Advogados, e presidente-executivo da Interfarma-Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Concurso do Rio

O plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu manter o 41º concurso para magistratura do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). Por sete votos a quatro, o conselho entendeu que não houve indícios suficientes de fraude. Os sete conselheiros que votaram pela manutenção do concurso manifestaram preocupação com a validade das sentenças e despachos feitos pelos 24 juízes empossados há mais de um ano, e com o emprego dos aprovados. Os dois principais indícios de irregularidades foram o vazamento de gabarito e marcação identificadora nas provas, além de alegações de aprovação de sete parentes de magistrados do tribunal carioca. A marcação identificadora, feita com corretor ortográfico, denominado "liquid paper", não foi aceita pelos conselheiros como indício de a tese de identificação pessoal, seguindo o parecer da Polícia Federal. Já o vazamento de gabarito foi considerado " esvaziado " , pois a possível beneficiada foi reprovada no exame oral.

Balanço dos três anos da nova Lei de Falências

Balanço dos três anos da nova Lei de Falências


Julio Kahan Mandel e Paulo Calheiros
12/03/2008



A nova Lei de Falências e Recuperações Judiciais completa três anos de vida. Não há mais dúvida de que realmente ocorreu uma quebra de paradigma em relação à reestruturação de passivos das empresas, e aos poucos a antiga concordata, e a aversão que o modelo causava aos credores, vai sendo esquecida. Logicamente, até pela má técnica legislativa empregada, a jurisprudência vem corrigindo rotas e clareando pontos controvertidos, trazendo mais segurança jurídica ao país.

Redução nos custos de desnecessários editais (e nas próprias custas judiciais), nomeação de bons administradores judiciais, tramitação rápida dos processos, impedimento de corte de fornecimento de energia, gás ou telefone por dívidas sujeitas à recuperação judicial, moderação na fixação de honorários de administradores judiciais, flexibilização na possibilidade de migração da concordata para o novo regime, rápido deferimento do processamento da ação (sem estar preso a maiores formalismos), dispensa da apresentação de Certidões Negativas de

Débito Fiscal (CND), entre outras, são decisões que vêm contribuindo para a eficácia da lei como instrumento recuperador da saúde da empresa em dificuldade.

Contudo, em alguns casos, até por deficiência na própria lei, a jurisprudência não vem afastando alguns obstáculos para que o processo de recuperação judicial possa viabilizar a efetiva recuperação da empresa devedora. O maior exemplo é o posicionamento em relação a certas formas de crédito bancário que deveriam se sujeitar aos efeitos da recuperação judicial, mas que têm sido afastados do processo em alguns casos.

São os famigerados contratos com alienação fiduciária de recebíveis, que são depositados na conta da empresa devedora mantida na instituição financeira contratada (trava bancária), ou bloqueados diretamente nas vendas através de cartões de crédito.

Mesmo com a recuperação judicial, os bancos bloqueiam os novos recursos oriundos de vendas realizadas após a impetração, e que são depositados na conta da empresa devedora, chegando-se em certos casos a bloqueios de 100% do faturamento, inviabilizando a recuperação da unidade produtiva e o pagamento aos demais credores.

Nem mesmo a proteção obtida com a suspensão de execuções por seis meses (período em que fica também vedada a retirada de bens de capital essenciais à atividade empresarial da posse da recuperanda), vem sendo aplicada. Ora, qual bem é mais essencial a uma empresa em recuperação do que os recebíveis de seus clientes, que constituem o seu capital de giro? Houve omissão do legislador neste caso, mas está claro o espírito da lei em impedir a descapitalização total da empresa.

O cenário ideal de uma recuperação judicial seria uma parceria entre credor e devedor, para que o devedor, com auxilio de seu credor, conseguisse se reestruturar, quitar a sua dívida e manter a unidade produtiva viva. Como isso é possível quando um banco credor retém todos os frutos do que a empresa produz? Como a recuperanda pode obter dinheiro novo, sem o qual nenhuma empresa em recuperação judicial sobrevive, se o financiador constatar que seu dinheiro novo será todo utilizado para quitar contratos anteriores com bancos e não para reerguer a empresa? Como alongar um financiamento mediante acordo se um lado detém tamanha força em relação ao outro?

O ideal é a parceria entre credor e devedor, para que este consiga manter viva a unidade produtiva

A legalidade de tal conduta é totalmente discutível, pois evidentemente contrária ao objetivo da lei: auxiliar e estimular a recuperação das empresas. Como bem defendeu o professor Manoel Justino Bezerra Filho em sua comentada obra sobre a matéria, em certos pontos a nova lei parece uma lei de recuperação de crédito bancário e não de empresas.



Urge uma guinada no entendimento jurisprudencial e especialmente uma alteração legislativa, para submeter o crédito bancário desta modalidade aos efeitos da recuperação judicial, ou permitir a substituição dos valores bloqueados por recebíveis futuros, ao menos durante o período de seis meses iniciais, com ou sem anuência do credor.



Outro ponto que vem causando atritos, de maneira surpreendente posto que neste aspecto a lei é clara, é justamente uma eventual não-suspensão das ações e execuções por créditos sujeitos ao procedimento em face da empresa em recuperação judicial - artigo 6º da Lei 11.101, de 2005. Certas recuperandas vêm sendo vítimas de constrição sobre seus bens, perpetradas em especial pela Justiça trabalhista, mesmo dentro do prazo suspensivo, como bloqueio de contas bancárias e manutenção de penhoras sobre bens móveis e imóveis, muitas vezes se determinando até mesmo a venda em leilão.

O prosseguimento das execuções trabalhistas durante o período de suspensão não possui qualquer fundamento jurídico ou lógico, uma vez que é explicitamente contrário à formação do concurso de credores. O pagamento aos credores trabalhistas é parte da recuperação judicial e fará parte do plano de pagamento que será apresentado, onde inclusive goza de benesses previstas em lei. Se privilegiado um credor em uma execução individual, os demais serão preteridos. É o mesmo princípio aplicável às falências, onde também a lei vem sendo desrespeitada por certas decisões trabalhistas, conflitantes com a criação do juízo universal.

Mas os tribunais superiores vêm consolidando a competência do juízo da recuperação judicial (e da falência) em face dos trabalhistas, bem como a obrigatoriedade de se respeitar a Lei de Falências.

Em linhas gerais, o processo de recuperação vem obtendo sucesso, e aos poucos revertendo a cultura da concordata, desgastada em virtude do pouco sucesso em recuperar as empresas da antiga moratória. Os credores vêm notando que somente atuando em parceria com seu devedor, para que a recuperanda possa gerar novos faturamentos, é que será possível receber a antiga dívida, e ainda tem como bônus manter um cliente cativo, que gera novos lucros em novas operações.

Resta às instituições financeiras, privilegiadas na nova classificação de crédito e na nova lei em geral, passarem a agir como parceiras das empresas em reestruturação, abrindo novas linhas de crédito (a nova lei protege os créditos novos, que são extraconcursais em caso de quebra), ou ao menos não bloqueando seu faturamento pós-impetração da recuperação judicial, negociando com o devedor extensões nos prazos de pagamento, mesmo se encontrando em posição de força perante a atual interpretação da lei. E também uma maior obediência à lei correlata pelos juízos estranhos à recuperação judicial, a fim de se evitar decisões conflitantes e insegurança jurídica.

Julio Kahan Mandel e Paulo Calheiros são, respectivamente, sócio e

advogado do escritório Mandel Advocacia

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

quinta-feira, 6 de março de 2008

Fazenda pode cobrar débito em cinco anos

Começa a surtir efeito na segunda instância da Justiça Federal a nova posição firmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2007, sobre a prescrição de débitos declarados e não pagos pelo contribuinte. Alguns Tribunais Regionais Federais (TRFs), como os da 1ª e da 4ª Região, tinham decisões seguindo a linha defendida pela Fazenda, segundo a qual há um prazo de dez anos para a União cobrar débitos declarados e não pagos. Mas, entre 2006 e 2007, o STJ consolidou a jurisprudência segundo a qual a prescrição é de apenas cinco anos a partir do vencimento do tributo.

No TRF da 3ª Região, de São Paulo, uma decisão publicada nesta semana baseou-se nos novos precedentes do STJ para extinguir uma execução da Fazenda. A decisão, proferida pela terceira turma do tribunal, já cita novos precedentes do STJ ocorridos entre 2006 e 2007 com respaldo da primeira seção - até então havia apenas julgamento nas turmas. Na sétima turma do TRF da 1ª Região, contudo, ainda há decisões seguindo a posição pró-fisco, que ignoram os julgamentos do STJ.

A jurisprudência fixada pelo STJ deixa aberta uma brecha muito utilizada por contribuintes para dar fim a ações de cobrança, aproveitando-se da lentidão do fisco. A Receita Federal costuma aguardar até o último momento do prazo de prescrição, de cinco anos após o vencimento do tributo, para formalizar o débito e inscrever a pendência em dívida ativa. O problema é que para a procuradoria conseguir suspender a prescrição precisa ajuizar o processo de execução antes do aniversário de cinco anos da dívida, o que muitas vezes não era feito a tempo.

De acordo com Eduardo Perez Salusse, do escritório Neumann, Salusse, Marangoni Advogados, pelo grande volume de processos administrados pela Procuradoria da Fazenda, pela demora entre a inscrição em dívida ativa e o ajuizamento da execução ser de alguns meses, o débito prescreveria neste tempo. Mas a Fazenda defende um prazo de "cinco anos mais cinco" para cobrar os débitos declarados pelos contribuintes. Por esse critério, uma vez que há um débito declarado e não pago, a Fazenda teria cinco anos até vencer a decadência do tributo, mas uma vez que ele é constituído em tempo - pela inscrição em dívida ativa -, contariam mais cinco anos até a prescrição. Assim a Fazenda teria anos de sobra antes do vencimento do crédito.

Segundo a posição firmada no STJ não há que se falar de decadência no caso de tributos declarados, pois a própria declaração do débito pelo contribuinte pode ser considerada a constituição do débito, e os dez anos defendidos pela Fazenda viram apenas cinco. "Se o débito declarado pelo contribuinte somente pode ser exigido a partir do vencimento da obrigação, é desse momento que se inicia o prazo prescricional para que a fisco cobre a dívida", afirmou a ministra Eliana Calmon no principal precedente sobre o tema na primeira sessão.

O problema só foi resolvido pela edição da Lei Complementar nº 118, de 2005, que mudou o momento de suspensão da prescrição. O critério era o ajuizamento da execução, e passou a ser pela nova lei a inscrição em dívida ativa. Mas a regra antiga continua valendo para execuções ajuizadas antes da Lei Complementar nº 118 de 2005.

Curiosamente, ao mesmo tempo em que a lei complementar facilitou a vida para o fisco, dificultou a do contribuinte, acabando com a brecha do "cinco mais cinco" usada pelas empresas para cobrar créditos da Fazenda. O STJ entendia que eram de dez anos o prazo para os contribuintes pedirem a devolução de tributos cobrados em excesso pelo fisco, mas a lei reduziu o período para cinco anos.

CPMF pode deixar herança para bancos

A Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) foi extinta, mas deixou uma herança. Os bancos, responsáveis pela retenção do tributo, ainda podem precisar fazer desembolsos significativos por conta dela. O Conselho de Contribuintes, tribunal administrativo que julga as autuações da Receita Federal, começa a analisar alguns planejamentos ofertados pelas instituições para grandes empresas no intuito de driblar o recolhimento da contribuição.

Santander, Citibank e Itaú já tiveram seus casos julgados. Para os três bancos, o Conselho determinou o recolhimento da CPMF. No Estado de São Paulo, onde concentram-se as grandes instituições financeiras, as autuações fiscais de CPMF somam R$ 2,9 bilhões. Segundo a Delegacia Especial de Instituições Financeiras (Deinf) de São Paulo, R$ 1 bilhão desse total tem como alvo um planejamento utilizando uma Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM) pertencente ao mesmo conglomerado financeiro. Outro R$ 1,6 bilhão envolve autuações que questionam casos de uso de câmaras de compensação ou outro sistema interno para transferência de valores, evitando assim a movimentação de recursos nas contas correntes dos clientes.


Nos casos do Santander e do Citibank, o planejamento usou a DTVM dos respectivos grupos. Chamado de "pagline plus", o planejamento do Santander envolvia a Santander Noroeste DTVM. A DTVM recebia os recursos do cliente do banco. Isso incluía cheques recebidos pelo cliente do banco. A DTVM tinha uma conta no banco Santander. Os recursos dos clientes mantidos na conta da DTVM eram usados para pagar os fornecedores do cliente. Dessa forma, evitava-se a movimentação dos recursos nas contas correntes dos clientes. O resultado permitia evitar a cobrança da CPMF no momento em que os valores eram usados para o pagamento dos fornecedores dos clientes. Isso era possível porque a legislação previa alíquota zero de CPMF para as operações das DTVMs. Portanto, os débitos na conta da Santander Noroeste DTVM junto ao banco não pagavam a contribuição.

A economia de 0,38% de CPMF valia a pena para empresas com grande movimentação de cheques ou pagamentos recebidos de seus clientes. A Petrobras foi uma das companhias mencionadas como usuárias do serviço no caso do Santander, cujo autuação atingiu R$ 290 milhões.

O planejamento oferecido aos clientes pelo Citibank era muito semelhante. No caso utilizou-se a Citibank DTVM como detentora da conta na qual aconteciam os débitos de recursos dos clientes.

Nos dois casos, a fiscalização da Receita alegou que a alíquota zero de CPMF se aplicava apenas a atividades próprias das distribuidoras de títulos expressamente listadas em uma portaria que definiu o alcance do benefício. E a atividade exercida pelas DTVMs no planejamento desenhado em conjunto com os bancos não era um deles. Esse foi um dos argumentos acatados pelo Conselho para manter a exigência da contribuição. Apesar de a CPMF ser devida pelos clientes dos bancos, a exigência da contribuição diretamente das instituições financeiras se justificou por serem elas as responsáveis pela retenção do tributo.

Outro caso analisado pelo Conselho é o do Itaú, em outro tipo de operação. O banco adquiriu participações societárias liquidadas com transferências de títulos públicos. A transferência de propriedade dos títulos, porém, foi feita por sistema interno do banco e os recursos não transitaram pelas contas correntes nem do Itaú e nem de quem vendeu as participações, salvando as transferências de valores da cobrança da CPMF. Na mesma fiscalização, o Itaú também foi autuado por ter realizado para seus clientes o pagamento de empréstimos, despesas e também aquisição de ativos com títulos públicos. Os clientes, na verdade, eram subsidiárias e coligadas do banco. Também neste caso, as transferências se deram por meio do sistema interno do Itaú, sem transitar pela conta corrente das empresas. A autuação contra o banco foi de R$ 92,4 milhões.


A fiscalização entendeu, porém, que tais operações foram contra a legislação da CPMF. Segundo a Receita, a lei determina que os tipos de liquidação realizados pelo Itaú deveriam necessariamente incluir uma movimentação financeira que pagaria a contribuição. O Conselho acatou o argumento.

Segundo o titular da Deinf, Marco Antonio Ruiz, a CPMF é o tributo que tem acumulado mais vitórias ao Fisco no conselho de contribuintes, mesmo com os bancos sendo defendidos por grandes escritórios e tributaristas que não têm se limitado à apresentação dos argumentos em papel e têm solicitado a argüição oral durante praticamente todos os julgamentos. Ruiz esclarece, porém, que os bancos têm recorrido à última instância do próprio conselho para reverter as primeiras decisões e podem levar o assunto ao Judiciário.

Fernando Zilveti, sócio do Zilveti e Sanden Advogados, diz que as decisões do Conselho estão sendo bem-fundamentadas, mas discorda das conclusões dos conselheiros. "No caso do uso da DTVM o Conselho desconsiderou operações que possuem inclusive substância econômica porque são próprias das instituições financeiras", argumenta.

O consultor Luís Rogério Farinelli, do Machado Associados, acredita que o conselho tem somente aplicado a legislação. "A tendência é que esses planejamentos sejam realmente derrubados porque no caso da CPMF a lei foi muito feliz ao fechar as brechas que poderiam ser usadas para evitar o seu pagamento."

Procurado, o escritório Mattos Filho, que representa o Santander no processo, não quis se pronunciar. O Citibank e o Itaú não comentaram o assunto. Procurada, a Petrobras não se manifestou.

Valor On Line

ONU critica nova lei antidrogas brasileira

ONU critica nova lei antidrogas brasileira

Segundo documento, lei brasileira "pode até prejudicar a investigação e o julgamento das atividades ilícitas relacionadas a drogas"

Estrutura da rede pública é deficiente para atender usuário, afirma relatório; para governo, rede de ONGs dará suporte à demanda

ANDRÉA MICHAEL
FELIPE SELIGMAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Relatório de um órgão da ONU (Organização das Nações Unidas) divulgado ontem diz que o Brasil terá dificuldades para aplicar a nova legislação antidrogas -que trata o usuário como doente-, por falta de estrutura da rede pública.
A lei, de 2006, "pode até prejudicar a investigação e o julgamento das atividades ilícitas relacionadas a drogas, e pode dar a entender à opinião pública que o governo está tratando o narcotráfico com mais indulgência", diz o documento.
A legislação anterior dava o mesmo tratamento a usuários e traficantes.
Apresentado em Brasília, o relatório é da Jife (Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes), braço jurídico do UNODC, escritório da ONU contra drogas e crime. Contém dados de todos os continentes.
O secretário nacional Antidrogas, Paulo Uchôa, refutou as críticas. Disse que a rede pública está em preparação e que, ao mesmo tempo, disporá de uma estrutura de ONGs que poderá dar suporte à demanda e atender usuários de drogas, que, por determinação judicial, devam ser tratados como doentes.
A falta de estrutura, porém, é reconhecida por quem atua na área. "A lei é boa. O quadro de desassistência é escandalosamente dramático não só no Distrito Federal como no Brasil. A rede pública precisará se equipar", diz o promotor Jairo Bisol, que atua em Brasília.
Pedro Gabriel, coordenador da área técnica de saúde mental, álcool e drogas do Ministério da Saúde, admite que existe "uma lacuna entre a demanda de tratamento e a oferta de serviços", mas afirma que "o Brasil vive uma tendência de ampliação da rede de atendimento ao usuário e, talvez, devesse ter sido registrado esse processo".
Quanto à "condescendência" que a Jife vê na lei, o representante regional do UNODC para o Brasil e Cone Sul, Giovanni Quaglia, citou experiências de outros países que combinam o tratamento médico do usuário na mesma medida em que ele colabore com a Justiça para ajudar no combate ao crime.

Consumo de drogas
Outro dado da Jife é que, ao contrário da América do Sul, onda a droga mais consumida pelos estudantes é a maconha, a preferência no Brasil seria por substâncias inaláveis (basicamente cola de sapateiro).
A questão é polêmica, pois a Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) alega que, pela legislação, a cola não é uma substância ilícita -portanto, os critérios do relatório divergem dos usados para classificar o que é legal ou ilegal no Brasil.
Para a Senad, a maconha continua a ser a droga mais consumida entre os jovens -a pasta se baseia em levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas, de 2005.
"O relatório é uma publicação legítima, mas precisamos de um olhar um pouco crítico, porque muitos países não possuem sistema de coleta de dados ou, quando possuem, não são confiáveis", disse Uchôa.
A Jife leva em conta, porém, um estudo do UNODC e da Comissão Interamericana de Controle e Abuso de Drogas que mostra o Brasil como o primeiro colocado no uso de inalantes entre os alunos do ensino médio da América do Sul.

Elogiada pela ONU, instituição concentra tratamento de desintoxicação no usuário

Elogiada pela ONU, instituição concentra tratamento de desintoxicação no usuário

VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DA REPORTAGEM LOCAL

Citado pelo UNODC, organismo das Nações Unidas para o combate às drogas, o Naps AD (Núcleo de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas) revela o método que lhe rendeu elogios: "o centro do trabalho é o usuário, não é o uso", diz Graziella Barbosa Barreiros, coordenadora da instituição ligada à Prefeitura de Santo André (Grande ABC).
A reabilitação dos usuários de drogas e dependentes químicos, explica Barreiros, passa por uma rede de nove tipos de serviço, como a redução de danos, que incentiva a substituição de drogas e faz trabalhos de campo com grupos de risco. Na região central de Santo André, o Naps AD é uma casa simples, de corredor longo e dois andares, que em fevereiro atendeu a 215 pacientes.
Sem aquele aspecto clássico de clínicas de desintoxicação no mato, oferece aulas de ioga, oficinas de artesanato e máquina de lavar roupas aos usuários.
Na chegada, uma triagem faz a avaliação médica e, a depender da gravidade do caso, encaminha à urgência hospitalar.
"Quando chegam, muitos usuários não sabem dizer que dia da semana é", diz Alécio Donizete Rodrigues, técnico em dependência química.
No Naps, os usuários são atendidos no chamado hospital-dia, entre duas e cinco vezes por semana. Apenas nos casos mais graves passam a noite no lugar.
O perfil dos usuários que buscam assistência para deixar o vício vai de moradores de ruas a pais de família que chegam voluntariamente ou são encaminhados por hospitais públicos, pela polícia e por juízes.
"O sucesso não é necessariamente parar de usar droga, mas aumentar a qualidade de vida, dar sucesso e autonomia às pessoas", diz Barreiros.

terça-feira, 4 de março de 2008

STJ Reserva de vaga para deficiente não garante posição na classificação final de concurso

DECISÃO
Reserva de vaga para deficiente não garante posição na classificação final de concurso

Portadores de deficiência que participam de concurso público geralmente têm a mesma dúvida: a reserva de vagas prevista na Constituição Federal é também garantia de posições na classificação geral do certame? A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça entendeu que não.

O entendimento do colegiado de ministros é que o candidato portador de deficiência aprovado tem que se posicionar dentro do número de vagas existentes, ainda que com média inferior à dos demais candidatos. Esse direito cumpre a reserva de vagas prevista tanto na Constituição quanto na legislação que disciplina o assunto. No entanto as mesmas normas não determinam a posição em que o candidato especial deve ser classificado porque não mencionam a proporção de candidatos deficientes em relação aos regulares.

A questão foi discutida recentemente no julgamento de um mandado de segurança impetrado por dois portadores de necessidades especiais que concorreram a uma das 272 vagas para o cargo de procurador federal. Quatorze vagas do concurso foram reservadas para portadores de deficiência. Classificados nas posições 607 e 608, os candidatos alegaram que, como foram aprovados em terceiro e quarto lugares entre os deficientes, deveriam figurar, respectivamente, em 60º e 80º lugares. Para sustentar essa pretensão, eles argumentaram que, como foram reservadas 5% das vagas para portadores de deficiência, a cada 19 candidatos aprovados, deveria constar um deficiente.

O relator do caso, ministro Arnaldo Esteves Lima, considerou que o argumento não tem amparo legal. Caso prevalecesse essa tese dos impetrantes, como foram aprovados seis candidatos portadores de deficiência, o último colocado entre eles ocuparia o 120º lugar, restando ainda 152 vagas para serem preenchidas por candidatos regulares que obtiveram notas superiores.

O ministro ressaltou que o raciocínio desenvolvido pelos impetrantes teria plausibilidade jurídica se houvesse 20 vagas previstas e a reserva fosse também de 5%. Aí sim, seria classificado um portador de deficiência a cada 19 candidatos regulares aprovados.

Considerando que a aprovação de seis candidatos especiais, a posição dos impetrantes na lista especial e o número de vagas existentes, o relator concluiu que eles devem figurar nas posições 269 e 270, respectivamente. Desse modo, os candidatos deficientes têm assegurado o direito legal e constitucional à reserva de vagas, independentemente da nota final obtida. Mas, por outro lado, não têm a garantia de posição na classificação final do concurso. “O percentual legal incide sobre a quantidade de vagas existentes, e não proporcionalmente de acordo com o número de candidatos aprovados, a contar do primeiro colocado”, sustentou o ministro relator em seu voto. “Reservam-se as vagas, e não posições na classificação final do certame”, esclareceu.

A decisão se deu por maioria. Acompanharam o voto do relator os ministros Nilson Naves, Paulo Gallotti, Maria Thereza de Assis Moura e o juiz convocado Carlos Mathias. Ficaram vencidos os ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Felix Fisher, Laurita Vaz e a desembargadora convocada Jane Silva.


Coordenadoria de Editoria e Imprensa

segunda-feira, 3 de março de 2008

A arbitragem e a execução judicial de título extrajudicial

A arbitragem e a execução judicial de título extrajudicial
Elias Marques Neto Maria Rita Drummond Valor On Line
03/03/2008

Com o desenvolvimento e a consolidação da arbitragem no Brasil como um eficaz meio de solução de controvérsias, surgem novas questões que demandam a manifestação da doutrina e dos tribunais. Dentre essas questões está a polêmica acerca da possibilidade de um contrato que atenda aos requisitos de título executivo extrajudicial e contenha cláusula compromissória ser objeto de ação de execução perante o Poder Judiciário.


Parece-nos que o procedimento arbitral muito se assemelha ao processo de conhecimento, de sorte que foge do âmbito da arbitragem pretensão que diga respeito à execução de créditos líquidos, certos e exigíveis. Se uma parte tiver interesse em exigir o cumprimento de obrigação de que trate determinado título executivo, ainda que haja cláusula compromissória, deverá fazê-lo diretamente perante o Poder Judiciário por meio da ação de execução.


Entendemos que, no caso de existência de cláusula compromissória em título extrajudicial capaz de instruir uma ação de execução perante o Poder Judiciário, caberá ao juiz togado a competência para apreciar e deferir as medidas inerentes à respectiva ação de execução. Ao árbitro poderá caber o julgamento das questões que seriam argüíveis em uma típica medida judicial de natureza cognitiva, tais como as que são levantadas em sede de ações declaratórias de inexigibilidade ou em embargos do devedor.


Tais competências não se sobrepõem e nem se anulam; pelo contrário, se complementam, conforme já decidido pelos nossos tribunais: A.I. nº 7.042.107, São Paulo, TJSP, 12ª Câmara de Direito Privado, A.I. nº 7.118.935-2, São Paulo, TJSP, 22ª Câmara de Direito Privado, e Apelação Civil nº 7596/2004., Rio de Janeiro, TJRJ.


Vislumbramos que a arbitragem, de certa forma, constitui alternativa aos embargos à execução ou à ação declaratória (típicas ações de conhecimento), de modo que, nos estritos termos dos artigos 267, VI, 580, 585, parágrafo primeiro, do Código de Processo Civil, não há qualquer dúvida sobre a total impossibilidade de se extinguir a ação de execução simplesmente por haver previsão contratual de instalação de juízo arbitral.



Pelo regime em vigor, caberá ao julgador observar os requisitos do CPC para decidir sobre suspensão da execução


Devemos notar, ainda, que existe dúvida acerca da possibilidade de suspensão da execução judicial pela instauração da arbitragem. A Lei nº 11.382, de 2006, alterou a disciplina da execução judicial de títulos extrajudiciais. Um dos pontos mais marcantes da nova lei foi criar condições para uma execução mais efetiva, como consubstanciado no novo artigo 739-A do Código de Processo Civil. Tal mudança previu que, em regra, os embargos do executado não terão efeito suspensivo. Apenas excepcionalmente o executado pode pleitear a atribuição de efeito suspensivo aos seus embargos, comprovando que: (i) os fundamentos de sua defesa são relevantes; (ii) a execução lhe causará graves danos de difícil e incerta reparação; e (iii) o pagamento do débito executado já está garantido por penhora, depósito ou caução suficiente.


Dito de outro modo, de acordo com a legislação em vigor, entendemos que o simples fato de existir uma ação de conhecimento, seja perante o árbitro ou o juiz estatal, cujo objeto seja o questionamento da liquidez, certeza e exigibilidade de débito executado perante o Judiciário, não implica necessariamente a suspensão do trâmite da ação de execução. Pelo regime em vigor, caberá ao julgador observar os requisitos do artigo 739-A do Código de Processo Civil (CPC) para decidir acerca da suspensão da execução judicial.


O Superior Tribunal de Justiça (STJ) recentemente decidiu que a execução e a arbitragem não são incompatíveis, de modo que esta última não é causa de extinção da primeira. No entanto, a Ministra Nancy Andrighi, nos autos da Medida Cautelar nº 13.274 - SP (2007/0225507-1), entendeu ser necessária a suspensão do trâmite da execução após a penhora, tendo em vista a existência de procedimento arbitral em curso. A ilustre ministra cita alguns precedentes daquela corte, os quais prescrevem a suspensão da execução em razão da propositura dos embargos ou de ação declaratória. Ocorre que os precedentes constantes naquela decisão são anteriores à Lei nº 11.382, de 2006, de modo que os mesmos tiveram como base o revogado parágrafo primeiro do artigo 739 do Código de Processo Civil.


Daí nos parecer que a decisão da Ministra Nancy Andrighi, nos autos da Medida Cautelar nº 13.274 - SP (2007/0225507-1), não está de acordo com a atual sistemática do artigo 739-A do Código de Processo Civil, sendo certo que, hoje, a simples existência de procedimento arbitral ou de ação cognitiva (embargos do devedor ou ação declaratória) não tem a força de automaticamente suspender o trâmite de execução judicial em curso.


Esta conclusão é a única que pode se enquadrar na evolução legislativa e jurisprudencial do direito processual civil, que, a cada ano, busca se ajustar mais e mais ao princípio da efetividade e do acesso à Justiça.


Elias Marques Neto e Maria Rita de Carvalho Drummond são advogados de Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados