TJs devem julgar 'esqueleto' do real
Juliano Basile, de Brasília
08/04/2008
Valor on line
O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá ser chamado a verificar caso a caso as ações em que bancos tentam se livrar da correção de aplicações financeiras na passagem da URV para o real, entre julho e agosto de 1994. O tribunal está atuando com o objetivo de tomar uma única decisão neste caso, que seja válida para todo o país. Mas a primeira liminar concedida pelo Supremo a favor de um banco já está sendo contestada, sob a alegação de que a corte não verificou as peculiaridades do caso específico. Com isto, os bancos devem demorar mais tempo para se livrar do "esqueleto" do real - ao invés de obter uma decisão única, eles terão de esperar por julgamentos individuais para cada caso em andamento na Justiça. E a tentativa do Supremo de evitar a proliferação de recursos idênticos na corte pode, ao menos neste caso, fracassar.
O Supremo está discutindo qual é o índice que deve ser utilizado para corrigir os contratos, títulos públicos e aplicações financeiras na época da conversão da moeda, no início do Plano Real. As empresas defendem o IGPM, mas os bancos alegam que a correção já foi realizada pelo IGP-2 e que, portanto, não haveria razões para rever os contratos. A diferença entre os índices é de 39%, mas ainda devem ser aplicados juros e correção monetária. O Tesouro Nacional fez uma estimativa ao Supremo indicando que, caso haja a troca do índice, o prejuízo aos cofres públicos seria de R$ 26,5 bilhões. Os bancos privados também perderiam dezenas de bilhões de reais.
O Supremo tomou duas decisões absolutamente inovadoras neste caso. Na primeira, concedida em agosto de 2006, pelo então ministro Sepúlveda Pertence, o tribunal paralisou o andamento de todos os processos sobre o assunto em andamento no país até uma decisão final do Supremo. Na segunda, dada pelo ministro Celso de Mello em setembro do ano passado, derrubou uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que teria "furado o bloqueio" imposto pelo Supremo. O objetivo destas liminares foi o de permitir um único julgamento sobre o caso, evitando a proliferação de ações repetitivas no Supremo.
O problema é que as empresas deverão pedir ao Supremo que mantenha as decisões das outras instâncias baseadas na Lei do Real - a Lei nº 8.880. Apenas as decisões fundamentadas na Constituição Federal passariam pelo julgamento geral da corte. A possibilidade de as empresas pedirem o julgamento caso a caso foi verificada já na liminar dada pelo ministro Celso de Mello - a primeira sobre o assunto - e deve se repetir nas demais ações.
Neste caso, o TJSP julgou um processo sobre a correção de contratos bancários na época da implementação do real e condenou o Banco Itaú BBA a fazer a correção para a empresa Petropar. O Itaú BBA ingressou, então, com uma reclamação no Supremo alegando que o tribunal local descumpriu a decisão da corte. O caso foi parar nas mãos do ministro Celso de Mello, que não apenas derrubou a decisão do TJSP como advertiu os desembargadores daquele tribunal de que não poderiam descumprir a determinação de Pertence de suspender os julgamentos sobre o assunto até a decisão final do Supremo. "Parece-me que o julgamento do egrégio TJ do Estado de São Paulo teria desrespeitado a autoridade da decisão que o eminente ministro Sepúlveda Pertence proferiu", afirmou Mello à época.
O problema é que, agora, foi divulgada a decisão do TJSP e, nela, verifica-se que, nos debates, os desembargadores reconheceram a decisão de Pertence e concluíram que não poderiam afrontá-la. Por isto, se negaram a discutir a correção das aplicações em URV para o real sob o ponto de vista constitucional, discussão que seria de competência do Supremo. O que eles fizeram foi julgar o assunto tendo como base a lei de conversão da moeda - a Lei nº 8.880, de 1994. Ou seja, os desembargadores entenderam que não poderiam discutir o assunto pela Constituição, então o fizeram pela lei.
O desembargador Elmano de Oliveira fez questão de ressaltar que não estava decidindo sobre a inconstitucionalidade da Lei nº 8.880. "O ponto central do embate, travado ao longo do processo, consiste na inaplicabilidade do referido dispositivo legal à época do contrato", afirmou. O desembargador Carlos Luiz Bianco também enfatizou que a questão é "fundamentalmente contratual" e que está "ausente eventual incursão constitucional". E o desembargador Tersio José Negrato citou a decisão de Pertence para, em seguida, dizer que o processo tratava do contrato e da lei, e não de um assunto constitucional.
Este caso mostra como será difícil para o Supremo exercer seu controle sobre os demais tribunais do país. A liminar de Pertence determinando a suspensão de todas as ações sobre o assunto em trâmite no país - medida chamada na corte de sobrestamento de recursos - foi a primeira deste tipo e firmou o papel do Supremo no controle da Constituição perante todas as instâncias da Justiça e já serviu como precedente em outras ações. Mas o que se verifica agora, no caso dos bancos, é que, como cada processo possui peculiaridades, na prática o tribunal poderá ser chamado a examinar cada ação individual para verificar se a decisão está fundamentada na Constituição - caso em que somente o Supremo pode decidir - ou na lei - caso em que os tribunais de segunda instância podem se manifestar. Se no caso em que foi dada a liminar de Celso de Mello existe a alegação de que o julgamento não afrontou o Supremo, o mesmo pode ocorrer com outras milhares de ações que tratam do mesmo tema.
Só o Itaú BBA tem ações de R$ 220 milhões. No processo específico da Petropar foram realizados quatro contratos de "hedge" (proteção cambial) com o banco para evitar possíveis prejuízos com a volatilidade da moeda. Os contratos foram assinados em outubro de 1993 e duraram um ano. Ao fim, a empresa queria corrigi-los pelo IGP-M. o que lhe daria R$ 19,1 milhões. Mas o banco alegou que deveria seguir o IGP-2, o que resultaria em um custo de apenas R$ 4,1 milhões. A Petropar diz que teve prejuízo de R$ 15 milhões por causa da diferença entre os índices. Já o banco argumenta que agiu corretamente na correção.
Em julgamento realizado em outubro, seis dos onze ministros do Supremo - Menezes Direito, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Joaquim Barbosa - aceitaram julgar a ação proposta pelos bancos para centralizar o debate sobre a correção dos contratos em URV na própria corte. Foi um primeiro passo para centralizar a questão no Supremo. Outros dois ministros foram contrários - Marco Aurélio de Mello e Carlos Ayres Britto - e o ministro Cezar Peluso pediu vista do processo, adiando a definição neste ponto. Após esta discussão inicial, o Supremo ainda terá que julgar o mérito da correção da URV e dizer qual índice deverá ser aplicado aos milhares de contratos assinados na época.
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