segunda-feira, 3 de março de 2008

A arbitragem e a execução judicial de título extrajudicial

A arbitragem e a execução judicial de título extrajudicial
Elias Marques Neto Maria Rita Drummond Valor On Line
03/03/2008

Com o desenvolvimento e a consolidação da arbitragem no Brasil como um eficaz meio de solução de controvérsias, surgem novas questões que demandam a manifestação da doutrina e dos tribunais. Dentre essas questões está a polêmica acerca da possibilidade de um contrato que atenda aos requisitos de título executivo extrajudicial e contenha cláusula compromissória ser objeto de ação de execução perante o Poder Judiciário.


Parece-nos que o procedimento arbitral muito se assemelha ao processo de conhecimento, de sorte que foge do âmbito da arbitragem pretensão que diga respeito à execução de créditos líquidos, certos e exigíveis. Se uma parte tiver interesse em exigir o cumprimento de obrigação de que trate determinado título executivo, ainda que haja cláusula compromissória, deverá fazê-lo diretamente perante o Poder Judiciário por meio da ação de execução.


Entendemos que, no caso de existência de cláusula compromissória em título extrajudicial capaz de instruir uma ação de execução perante o Poder Judiciário, caberá ao juiz togado a competência para apreciar e deferir as medidas inerentes à respectiva ação de execução. Ao árbitro poderá caber o julgamento das questões que seriam argüíveis em uma típica medida judicial de natureza cognitiva, tais como as que são levantadas em sede de ações declaratórias de inexigibilidade ou em embargos do devedor.


Tais competências não se sobrepõem e nem se anulam; pelo contrário, se complementam, conforme já decidido pelos nossos tribunais: A.I. nº 7.042.107, São Paulo, TJSP, 12ª Câmara de Direito Privado, A.I. nº 7.118.935-2, São Paulo, TJSP, 22ª Câmara de Direito Privado, e Apelação Civil nº 7596/2004., Rio de Janeiro, TJRJ.


Vislumbramos que a arbitragem, de certa forma, constitui alternativa aos embargos à execução ou à ação declaratória (típicas ações de conhecimento), de modo que, nos estritos termos dos artigos 267, VI, 580, 585, parágrafo primeiro, do Código de Processo Civil, não há qualquer dúvida sobre a total impossibilidade de se extinguir a ação de execução simplesmente por haver previsão contratual de instalação de juízo arbitral.



Pelo regime em vigor, caberá ao julgador observar os requisitos do CPC para decidir sobre suspensão da execução


Devemos notar, ainda, que existe dúvida acerca da possibilidade de suspensão da execução judicial pela instauração da arbitragem. A Lei nº 11.382, de 2006, alterou a disciplina da execução judicial de títulos extrajudiciais. Um dos pontos mais marcantes da nova lei foi criar condições para uma execução mais efetiva, como consubstanciado no novo artigo 739-A do Código de Processo Civil. Tal mudança previu que, em regra, os embargos do executado não terão efeito suspensivo. Apenas excepcionalmente o executado pode pleitear a atribuição de efeito suspensivo aos seus embargos, comprovando que: (i) os fundamentos de sua defesa são relevantes; (ii) a execução lhe causará graves danos de difícil e incerta reparação; e (iii) o pagamento do débito executado já está garantido por penhora, depósito ou caução suficiente.


Dito de outro modo, de acordo com a legislação em vigor, entendemos que o simples fato de existir uma ação de conhecimento, seja perante o árbitro ou o juiz estatal, cujo objeto seja o questionamento da liquidez, certeza e exigibilidade de débito executado perante o Judiciário, não implica necessariamente a suspensão do trâmite da ação de execução. Pelo regime em vigor, caberá ao julgador observar os requisitos do artigo 739-A do Código de Processo Civil (CPC) para decidir acerca da suspensão da execução judicial.


O Superior Tribunal de Justiça (STJ) recentemente decidiu que a execução e a arbitragem não são incompatíveis, de modo que esta última não é causa de extinção da primeira. No entanto, a Ministra Nancy Andrighi, nos autos da Medida Cautelar nº 13.274 - SP (2007/0225507-1), entendeu ser necessária a suspensão do trâmite da execução após a penhora, tendo em vista a existência de procedimento arbitral em curso. A ilustre ministra cita alguns precedentes daquela corte, os quais prescrevem a suspensão da execução em razão da propositura dos embargos ou de ação declaratória. Ocorre que os precedentes constantes naquela decisão são anteriores à Lei nº 11.382, de 2006, de modo que os mesmos tiveram como base o revogado parágrafo primeiro do artigo 739 do Código de Processo Civil.


Daí nos parecer que a decisão da Ministra Nancy Andrighi, nos autos da Medida Cautelar nº 13.274 - SP (2007/0225507-1), não está de acordo com a atual sistemática do artigo 739-A do Código de Processo Civil, sendo certo que, hoje, a simples existência de procedimento arbitral ou de ação cognitiva (embargos do devedor ou ação declaratória) não tem a força de automaticamente suspender o trâmite de execução judicial em curso.


Esta conclusão é a única que pode se enquadrar na evolução legislativa e jurisprudencial do direito processual civil, que, a cada ano, busca se ajustar mais e mais ao princípio da efetividade e do acesso à Justiça.


Elias Marques Neto e Maria Rita de Carvalho Drummond são advogados de Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados

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