segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Caso Bruno

São Paulo, domingo, 01 de agosto de 2010

Folha de São Paulo

Editoriais


Caso Bruno
Entregue à Justiça nesta semana, o inquérito para apurar os responsáveis pelo desaparecimento e possível homicídio de Eliza Samudio teve condução desastrosa.
Na busca pelos holofotes da imprensa, e pressionadas pelo clamor popular que cerca o caso, as autoridades policiais cometeram sucessivos e indesculpáveis erros.
É certo que a polícia tem de realizar a atividade persecutória, mas o Estado democrático de Direito impõe limites à sua atuação.
O direito de acesso aos autos do inquérito, por exemplo, foi por muito tempo vetado ao advogado de defesa do goleiro Bruno, o principal suspeito, em flagrante descumprimento à jurisprudência do país e às orientações do Supremo Tribunal Federal sobre o tema.
Desse modo, foi correta a estratégia da defesa de evitar que o goleiro e outros suspeitos falassem durante os interrogatórios.
O caso demonstra erros comuns ao trabalho policial: em vez de investigar, opta-se por condenar sumariamente e em público aqueles que são alvo do inquérito, mesmo que tais declarações encontrem base frágil em provas concretas.
Além disso, o excesso de protagonismo das autoridades responsáveis pela investigação termina por ser prejudicial à própria sociedade, pois os erros cometidos podem gerar a nulidade de todo o processo. Embora aparentemente saciem o desejo popular de condenação dos envolvidos no crime, as autoridades acabam favorecendo a impunidade -especialmente em um caso que precisa ser decidido de forma bastante técnica, já que até agora não foi encontrado o corpo da desaparecida.
Mesmo que caiba à Justiça definir se os investigados são realmente culpados, provas materiais bem produzidas e testemunhos sólidos, com contradições dirimidas, serão essenciais para um julgamento adequado.
Teriam mais sucesso as autoridades policiais caso se concentrassem em prestar este auxílio indispensável ao Judiciário em vez de tentar substituí-lo em deploráveis espetáculos midiáticos.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

A 'common law' e o engessamento normativo

Opinião Jurídica:
A 'common law' e o engessamento normativo
Fabiano Deffenti
20/04/2009
Publicado no Valor Econômico

A reforma do Judiciário e, mais recentemente, a regulamentação da Lei nº 11.672, de 2008, trouxeram à tona inúmeros comentários sobre a adoção de conceitos do direito anglo-americano - "common law" - pelo legislador brasileiro. Infelizmente, a vasta maioria dos comentários se baseia em interpretações erradas sobre o funcionamento do "common law" como sistema, o que acarreta em críticas igualmente equivocadas.

É comum ouvir que o "common law" é um sistema de direito "consuetudinário". Não é. O sistema certamente originou-se a partir dos costumes dos povoados ingleses. Inicialmente, a intervenção da "written law" - "statutes" ou a leis promulgadas pelo legislador - era pontual e específica. Mas há muito tempo as normas outorgadas pelos parlamentos são abundantes, abrangendo quase todas as áreas do direito, de uma forma ou de outra, criando ou alterando as já existentes normas oferecidas criadas pelos juízes e expressas na jurisprudência.

De fato, os legisladores de hoje são rápidos e eficazes em alterar leis cuja interpretação dos tribunais difere daquela que o parlamento considera a melhor. Salvo questões de cunho constitucional - como no caso dos Estados Unidos e da Austrália, por exemplo, onde sua alteração depende de plebiscitos -, o legislativo sempre tem a prerrogativa de modificar normas através de "statutes". Descontente com certo julgado, ou preocupado com a insegurança jurídica criada por uma decisão judicial, é comum que os parlamentos prontamente promulguem "statutes" com o intuito de alterar um certo entendimento jurisprudencial. Lembre-se aqui que as constituições dos países regidos pelo "common law" tendem a tratar somente de matérias essenciais, ao contrário do livro constitucional brasileiro (quando existentes, pois nem Inglaterra nem Nova Zelândia têm um documento formal denominado como tal).

Também são comuns afirmações erradas sobre o funcionamento do sistema no que tange à força vinculante das decisões judiciais. A jurisprudência no sistema anglo-americano tem, sim, uma função chave na prestação jurisdicional. E é correto afirmar, genericamente, que no "common law" os julgados de instâncias superiores vinculam as decisões futuras das instâncias inferiores - a chamada doutrina do precedente, ou "stare decisis". Mas de forma alguma se pode afirmar que isso acarreta no engessamento do sistema.

Por quê? Primeiro, porque nada impede que as partes descontentes solicitem uma nova análise sobre a matéria abordada por um acórdão de uma instância superior. As partes estão sempre livres para pleitear uma interpretação diferente sobre qualquer norma, seja puramente provinda da jurisprudência ou de um "statute". E isso tende a ocorrer quando o "leading case" é antigo, quando os costumes sociais evoluíram, quando os fatos diferem daqueles do julgado (e daqueles julgados que os seguiram) ou quando há mudança na composição da corte, através de nomeação de outro magistrado, em casos onde a decisão não foi unânime ou quase unânime. Todavia, há uma consciência comum entre os julgadores e os demais operadores do direito da importância da manutenção do entendimento do julgador da instância superior, pois sem ela não há previsibilidade jurídica - que é vista como chave para o sucesso do ordenamento jurídico. Um juiz inglês ficaria pasmo ao saber que uma câmara do mesmo tribunal julga de maneira diversa de outra: "como se explica isso a um cliente?", perguntaria.

Segundo, porque é a "ratio decidendi" - isto é, as conclusões e fundamentos essenciais para que o juiz ou tribunal chegasse às conclusões que chegou - que vincula os julgadores de instâncias inferiores. Os julgados que alteram normas são extensos e detalhados, expondo fatos minuciosamente, comparando-os com acórdãos e sentenças prolatadas anteriormente e explanando as razões que justificam a mudança normativa. A "ratio decidendi" é, portanto, limitada aos seus fatos e futuras situações iguais ou semelhantes, mas não a petrificação de um entendimento geral sobre determinado assunto.

Assim, há um forte argumento no sentido de que o "common law" é mais flexível do que o "civil law", pois, enquanto o sistema romano-germânico estabelece regras tentando prever toda e qualquer situação que venha a acontecer no futuro através de normas prescritas pelo legislador - e, portanto, alteradas somente através do legislador, que, ao contrário do juiz, não lida com sua aplicação aos litígios no dia-a-dia -, o "common law" reconhece que é impossível prever as inúmeras variáveis e constantes mudanças na sociedade, outorgando aos magistrados poderes para alterá-las quando necessário.

Comentaristas brasileiros frequentemente confundem a busca da presivibilidade do "common law" - e sua absoluta aversão à procrastinação interminável de casos semelhantes - com rigidez normativa. Ainda, argúem que esse transplante normativo conflita com a nossa tradição jurídica. De fato, para o "common lawyer" é difícil compreender porque casos praticamente idênticos demoram anos e anos para serem resolvidos, quando um tribunal superior já proferiu seu entendimento sobre a matéria. Também de difícil compreensão para o "common lawyer" é a obrigação das partes em aceitar uma decisão que, por falta de sorte, caiu em uma turma recursal cujo entendimento é diverso da maioria dos membros do tribunal e que, se o recurso da decisão for aceito - o que cada dia se torna mais difícil -, anos se passarão para que a decisão seja revertida em nível recursal. Por fim, o "common lawyer" fica chocado com que as partes, bem como os contribuintes, acabem por ter que sustentar um aparato enorme para resolver questões jurídicas que não deveriam nem mesmo ser litigadas se simplesmente a doutrina do precedente fizesse parte do sistema brasileiro. Se o sistema é falho, não será a hora de se considerar a adoção da "stare decisis" como parte da solução?

Fabiano Deffenti é advogado habilitado em Nova York, Austrália, Nova Zelândia e no Brasil e sócio do escritório Carvalho, Machado, Timm & Deffenti Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Lisboa amanhece

JOÃO PEREIRA COUTINHO

Lisboa amanhece

A minha infância é um território distante. E os rostos desse passado são apenas memórias


ESCREVO NO domingo de Páscoa, minutos depois de perder o compasso. Adormeci. Quando acordei, o compasso já tinha passado.
Não sei se os brasileiros conhecem o termo. "Compasso". A simples palavra evoca uma infância inteira sob educação católica no Portugal do pós-25 de Abril. O compasso era o momento em que um padre e quatro ou cinco ajudantes entravam nas casas da cidade, anunciando que Jesus ressuscitara.
Lembro-me: acordava cedo, vestia-me, esperava. E quando se ouvia um sino nas proximidades, a casa vestia-se com flores à porta. O compasso chegava. A família, então alargada a primos, avós e tios, recebia o grupo e beijava o corpo de Cristo na cruz. Eu, hipocondríaco desde tenra idade, sempre alimentei reservas sanitárias sobre o ato. E se aquilo transmitisse doenças? E quantas bocas já tinham beijado Jesus? E se a nossa vizinha, uma repugnante dona Mafalda (com bigode), beijara o crucifixo antes de mim?
Cheguei a partilhar estas inquietações heréticas com o meu avô, e ele, um liberal com humor intocável, dizia que a ideia era inconcebível porque o corpo de Cristo fazia milagres e exterminava qualquer doença.
A tese nunca me convenceu. Procurei, como sempre procuro, uma segunda opinião. Falei com a minha tia Estefânia, mulher devota, e disse que só beijaria Jesus se o padre usasse crucifixos descartáveis e rigorosamente esterilizados. Pobre tia. Foi a primeira vez que vi alguém desmaiar à minha frente.
Mas a Páscoa não era apenas o compasso. A Páscoa começava na Quarta-Feira de Cinzas, depois do Carnaval. Todas as sextas eram dias de jejum. Não de jejum em sentido rigoroso. Apenas em sentido lato: nenhuma carne. Só peixe. E ovos?
Iniciava-se novo debate teológico na família. A tia Estefânia dizia que os ovos estavam rigorosamente excluídos. "A galinha nasce do ovo", dizia ela, benzendo-se. "Galinha é carne, menino." O meu avô, sempre ele, entrava em cena e discordava. "É precisamente o contrário: o ovo é que nasce da galinha". O concílio durava algumas horas: quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Chegava-se a um consenso: eu poderia comer a clara, mas não a gema. Ou vice-versa, não sei bem.
E eu comia. Clara, gema. E, às vezes, por esquecimento, uma fatia de presunto ao lanche. Mastigava tudo. E quando me lembrava da transgressão, fazia-se um nó no estômago e eu corria em busca de absolvição. Na pessoa do meu avô, claro. Ele ouvia tudo e, quase sem disfarçar o riso, perguntava: "Mas esse presunto tinha sabor a peixe, certo?" Eu, de tão confuso, dizia que sim. Ele declarava-me absolvido e eu regressava, de cabeça limpa, às brincadeiras do pátio.
Que terminavam na Sexta-Feira Santa. Dia sério. Na rádio, música fúnebre de manhã à noite: a marcha de Chopin, o "Réquiem" de Mozart, as sete últimas palavras de Cristo, por Haydn. A televisão acompanhava o espírito e aparecia inundada com filmes bíblicos que eu via e revia com reverência cinéfila. Um "biopic" de Franco Zefirelli, "Jesus de Nazaré", iniciava as hostilidades todos os anos. Seguiam-se "Os Dez Mandamentos" e o monumental "Ben-Hur", com sua corrida de bigas. Charlton Heston, para mim, não era ator. Era santo.
E, às três da tarde, um minuto de silêncio. Na rádio. Na televisão. Em casa. No mundo. Tudo parava. Jesus morria na Cruz, dizia-se. O tempo do verbo era tudo: "morria", não "morreu". Era presente, não passado. Era notícia, não história. Naquele momento, no Gólgota revisitado, Jesus entregava-se, uma vez mais, nas mãos do Pai para remissão de todos os pecados. E quando eu levantava nova questão teológica ("Mas Jesus está sempre a morrer e a viver como os vampiros?"), nem o meu avô me salvava de um tapa.
A minha infância é um território distante. E os rostos desse passado são apenas memórias felizes. Memórias que serão rapidamente esquecidas na sucessão dos meus dias. Mas não já, não agora. Agora, domingo de Páscoa, há apenas saudade, essa palavra sem tradução exata que os portugueses inventaram para dar nome a uma tristeza sem nome.
Levanto-me da cama, abro a janela e saio para o balcão. Lisboa amanhece. Um dia cinzento e frio, com chuva pequena, quase de choro. Ao fundo da rua, vislumbro o compasso: quatro figuras indiferentemente vestidas, que passam por portas indiferentemente fechadas. Não há crentes no bairro. Só o sino é o mesmo: uma cadência de festa que anuncia a ressurreição de Cristo a homens que dormem.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Novas súmulas do STJ

Novas súmulas do STJ

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou ontem duas novas súmulas. A de número 375 determina que o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente. A Súmula nº 376 define que compete à turma recursal processar e julgar mandado de segurança contra ato de juizado especial. A súmula é uma síntese das reiteradas decisões dos tribunais superiores sobre uma determinada matéria e, por meio dela, essas questões passam a ser resolvidas de maneira mais rápida. O relator da súmula sobre fraude à execução, ministro Fernando Gonçalves, considerou, por exemplo, o recurso especial ajuizado contra a Fazenda Pública de Minas Gerais pelos proprietários de um lote no município de Betim (MG), levado à penhora em razão de execução fiscal proposta pelo Estado contra os alienantes do imóvel. A Primeira Turma concluiu que o registro da penhora no cartório imobiliário é requisito para a configuração da má-fé dos novos adquirentes do bem penhorado. A segunda súmula, relatada pelo ministro Nilson Naves, baseou-se, entre outros, no mandado de segurança em que entendeu-se ser possível a impetração de mandado de segurança contra sentença de juizados cível para casos em que a ação ataca a competência do juizado para julgar caso que envolva valor acima do atribuído por lei aos juizados.

Vaga para ministro

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Eros Grau, encaminhou ontem à Procuradoria-Geral da República (PGR) os autos do recurso do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vote a lista sêxtupla encaminhada pela entidade, para o preenchimento de vaga de ministro, com base no Quinto Constitucional. A Constituição Federal garante a advogados e membros do Ministério Público um quinto das vagas de juízes em tribunais. A vaga de que trata o recurso em questão, destinada à advocacia, foi aberta em decorrência da aposentadoria do ministro Pádua Ribeiro. Na ação, a OAB pleiteia que o STJ seja obrigado a votar a lista da entidade. Em fevereiro de 2008, os ministros do STJ decidiram não escolher nenhum dos nomes submetidos à corte pela OAB.

Diárias a magistrados

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai elaborar uma resolução para regulamentar o pagamento de diárias concedidas a magistrados e servidores do Judiciário. A decisão foi tomada na sessão do pleno do conselho nesta semana, durante apreciação do pedido de providências apresentado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). A AMB pede que os tribunais indiquem parâmetros objetivos e impessoais para a concessão. O relator do pedido, conselheiro Técio Lins e Silva, propôs que a comissão de prerrogativas na carreira da magistratura do CNJ elabore uma minuta para ser submetida à consulta pública e, posteriormente, para apreciação por parte do conselho.

Empresas em recuperação obtêm parcelamento especial na Justiça

Empresas em recuperação obtêm parcelamento especial na Justiça
Zínia Baeta, de São Paulo
19/03/2009

Valor On Line


É notório o fato de que, na dificuldade financeira, a primeira conta que deixa de ser paga pela empresa é a devida ao fisco. Apesar disso, débitos como esse não têm, até hoje, qualquer tipo de regulamentação ou flexibilização na recuperação judicial. Há quase quatro anos empresários aguardam o prometido parcelamento fiscal especial - a ser estabelecido por legislação específica - previsto na própria Lei de Falência e Recuperação Judicial. Ante a ausência de regras próprias para empresas em recuperação, o Poder Judiciário, ainda que pontualmente, tem criado alternativas e solucionado conflitos gerados a partir da nova lei. Em casos recentes, por exemplo, a Justiça suspendeu o curso de execuções fiscais sofridas por empresas em recuperação judicial e há um bom tempo já não exige das empresas a apresentação de certidões negativas de débito (CNDs) nos processos (leia matéria abaixo). Em uma outra situação, permitiu que uma companhia em processo falimentar - mas com as atividades ainda em curso - fosse reintegrada ao Programa Especial de Parcelamento (Paes). E em uma situação ainda mais rara, intermediou um acordo de parcelamento, com prazo mais amplo do que os 60 meses concedidos normalmente pelo fisco, entre uma empresa em recuperação do Rio Grande do Sul e a Fazenda Nacional.

"A Lei de Recuperação Judicial prevê o parcelamento. Se há um hiato na lei, não pode a empresa ser prejudicada por isso", afirma Dárcio Vieira Marques, advogado que representou a Recrusul em seu processo de recuperação judicial. A empresa, de Sapucaia do Sul, no Rio Grande do Sul, encerrou o processo de recuperação judicial, por cumprir todos os pressupostos legais necessários, em dezembro do ano passado. Mas antes de finalizar esse procedimento, o advogado conseguiu, a partir de um acordo homologado no Judiciário, parcelar em 120 meses parte do débito tributário da empresa, nos moldes do Refis. Segundo Marques, o juiz da recuperação, a pedido da empresa, chamou a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), o Ministério Público e o administrador judicial para uma audiência para discutirem a possibilidade. De acordo com ele, sem a oposição do Ministério Público e com a concordância da Fazenda, o acordo foi levado para ser homologado pelo juiz responsável pelas execuções fiscais contra a empresa - que agora serão suspensas. Para que ela comece a pagar o débito, segundo Marques, falta apenas a atualização do valor pela Receita Federal. O advogado tem levado ao Judiciário propostas para acordos de parcelamentos fiscais aos outros casos de recuperação judicial pelos quais é responsável. Mas, por enquanto, só obteve êxito no caso da Recrusul.

Em outra situação em que o Judiciário foi chamado a solucionar conflitos relacionados aos débitos fiscais na recuperação judicial, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, mesmo em processo de falência, a empresa teria o direito a ser reincluída no Paes. Apesar de a Bel Casas Indústria e Comércio, na época, estar na condição de falida, manteve a continuidade dos negócios como se estivesse em situação de recuperação judicial. Segundo o advogado Rúbio Eduardo Geissmann, do escritório Favero, Geissman e Heberle Advogados, que representou a empresa, a companhia foi excluída do Paes por estar nessa condição, mas recorreu ao Judiciário e a primeira turma do STJ entendeu que a tendência atual da legislação brasileira sobre o tema é a de permitir que as empresas se viabilizem, ainda que estejam em situação falimentar. Para os ministros da turma, as empresas em dificuldade devem ter garantido o direito de acesso a planos de parcelamento fiscal para que possam manter seu "ciclo produtivo", os empregos e a satisfação de interesses econômicos e consumo da comunidade. Para o advogado, ainda que a discussão seja bem específica, se o governo vier a oferecer novos parcelamentos, as empresas em recuperação ou na situação falimentar não encontrarão os mesmos óbices que sua cliente - que hoje já encerrou suas atividades. Na avaliação do advogado Luiz Rogério Sawaya, do escritório Nunes, Sawaya, Nusman & Thevenard Advogados, ainda que trate de um caso específico, a decisão do STJ é um precedente importante porque a corte levou em consideração os propósitos da nova Lei de Falências. "Mas como é o primeiro julgado, não sabemos se o STJ continuará a julgar assim", diz.

Em um outro caso, o STJ impediu o prosseguimento de penhoras sobre bens de uma empresa em recuperação judicial. O tribunal não concordou com a previsão da Lei nº 11.101 - a nova Lei de Falências -, que em seu artigo 6º, parágrafo 7º estabelece que as execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional (CTN) e da legislação ordinária específica. Para os ministros, processado o pedido de recuperação judicial, suspendem-se automaticamente os atos de alienação na execução fiscal até que o devedor possa aproveitar o benefício previsto na ressalva constante da parte final do parágrafo 7º do artigo 6º da lei - ou seja, o parcelamento especial. O advogado Luiz Antonio Caldeira Miretti, do escritório Approbato Machado Advogados, que também exerce a atividade de administrador judicial, afirma que o julgamento do STJ torna-se ainda mais importante por se tratar de uma decisão da segunda seção, que reúne as duas turmas que julgam o tema. "Com isso, acaba-se essa discussão", diz.

Ao que parece, o Judiciário vem seguindo o entendimento da necessidade de preservação da empresa. O advogado Fernando Fiorezzi de Luizi, do escritório Advocacia De Luizi, afirma que a banca, em mais de seis casos, obteve na Justiça de São Paulo decisões favoráveis em execuções fiscais, sustentando a recuperação judicial como fato impeditivo da prática de atos danosos à empresa, tais como penhoras on-line e leilões. A tese utilizada é a de que os bens penhorados são essenciais para a empresa se recuperar e, portanto, não podem ser leiloados para pagamento do fisco, sob pena de se inviabilizar a recuperação da empresa.

Apesar de reconhecer a necessidade de uma regulamentação do parcelamento especial para a recuperação judicial, o diretor do Departamento de Gestão da Dívida Ativa da União, órgão da PGFN, Paulo Ricardo de Souza Cardoso, afirma que a orientação da Fazenda é a de conceder a essas empresas apenas o que permite a lei ordinária que trata do assunto - ou seja, 60 meses para o pagamento. Segundo ele, a Fazenda não pode trabalhar fora da previsão legal existente, enquanto não há a aprovação de uma norma que conceda parcelamentos mais benéficos.

O Judiciário e as operações de derivativos

O Judiciário e as operações de derivativos
Alexandre de M. Wald e André de Luizi Correia
19/03/2009



Nos últimos meses, têm sido noticiadas várias liminares sobre operações de derivativos ou de hedge cambial. Em regra, operações atreladas ao dólar têm por objetivo fornecer proteção contra a variação cambial, mas elas têm sido usadas "também para a especulação financeira", como reconheceu o Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do Recurso Especial nº 591.357. A apuração de quem deve pagar ou receber se dá mediante as verificações de dólar, cálculos realizados em datas fixas nas quais as partes apuram a diferença entre a cotação pré-estabelecida no contrato e a cotação oficial (PTAX), aplicando uma fórmula definida no contrato.

Várias empresas tiveram expressivos ganhos com essas operações enquanto o dólar perdia valor frente ao real. No entanto, a partir de meados de setembro, com a valorização do dólar, a situação se inverteu e tais empresas se tornaram devedoras dos bancos. A maioria liquidou ou renegociou suas dívidas. Algumas, no entanto, foram à Justiça questionar os contratos, sustentando que os bancos teriam oferecido tais operações a clientes sem o perfil adequado e não teriam explicado adequadamente os riscos envolvidos, o que autorizaria sua anulação por violação à boa-fé contratual, conforme prevê o artigo 422 do Código Civil). Argumentam também que a valorização do dólar, em razão da crise mundial, seria um evento imprevisível, gerador de desequilíbrio, o que autorizaria a revisão dos contratos com fundamento na teoria da imprevisão, prevista nos artigos 478 a 480 do Código Civil. Algumas empresas partiram para um ataque formal, alegando falta ou excesso de poderes dos executivos que celebraram os contratos.

Esses argumentos são frágeis, porque tais operações foram contratadas por altos executivos, com experiência suficiente para mensurar a adequação e os riscos desse tipo de contrato. Além disso, no ordenamento jurídico brasileiro, operações de risco se qualificam como contratos aleatórios, como prevê os artigos 458 a 461 do Código Civil, que tem no próprio risco a sua essência. A implementação do risco não justifica nem o descumprimento, nem a revisão do contrato. Como já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) durante o julgamento da Apelação nº 2007.001.69503, "um derivativo alavancado na variação futura do dólar poderia ensejar ganhos acima da média, mas em seu bojo também trazia a possibilidade de perdas expressivas, como de fato aconteceu. Não quisesse ter risco algum, deveria o recorrido ter lançado mão de investimentos conservadores, o que efetivamente não fez".

A alusão à crise mundial não altera a situação, pois a realização de pagamentos em caso de valorização do dólar foi justamente o risco assumido e previsto nessas operações. Ademais, o STJ já decidiu que "a variação cambial é acontecimento previsível no ambiente negocial com moedas estrangeiras" no julgamento do Recurso Especial nº 699.860, tendo enfatizado, em outra oportunidade - a análise do Recurso Especial nº 614048-, que "ao contratar em moeda estrangeira, o empresário sabe e espera que sua obrigação seja quantificada segundo a variação cambial. O mercado de câmbio, por natureza, é variável". O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) também decidiu que "a variação cambial do dólar não pode ser considerada fato imprevisível, conforme vem decidindo a jurisprudência" ao julgar a Apelação nº 7.301.525-2, e também entendeu que "não caracteriza a propalada imprevisibilidade, apta a permitir a revisão almejada pela recorrente, porque inerente ao contrato o reajuste pela própria variação cambial, qualquer que fosse ela e sem balização de limites" ao analisar a Apelação nº 591.035-0.

Nos Estados Unidos, contratos de derivativos celebrados conforme regras da International Swaps and Derivatives Association (ISDA), que inspiraram os contratos brasileiros, têm sido questionados há muito tempo. A Justiça americana, no entanto, já firmou jurisprudência acerca da validade desses contratos, como demonstram as decisões nos casos Indosuez versus National Reserve Bank, Korea Life versus Morgan Guar. Trust., St. Matthew's Baptist Church versus Wachovia Bank, K3C Sierra Industries versus Bank of America e Power & Tel. Supply. versus Suntrust Banks. Merece destaque recente decisão no caso Hexion versus Huntsman, que rechaçou a alegação de que a crise mundial constituiria um material "adverse effect" - o equivalente americano ao fato imprevisível que autoriza a aplicação da teoria da imprevisão no Brasil - e, assim, determinou o cumprimento do contrato.

No Brasil, a partir da crise, foram propostas cerca de 12 ações para discutir derivativos, todas com pedidos de liminar. A Justiça gaúcha concedeu liminares em duas ações, mas exigiu caução equivalente aos valores discutidos. A Justiça paulista indeferiu uma liminar em uma ação e concedeu liminares em outras cinco, mas determinou o depósito judicial das parcelas. A Justiça catarinense indeferiu liminares em três ações, enfatizando que quem realizou esse tipo de operação "optou por uma linha de ação empresarial-financeira, mas pelo visto cometeu erros de diagnóstico. Como inúmeros outros ao redor do globo, nesse momento de forte depressão no cenário econômico internacional, pode-se ter perdido dinheiro, mas isso não significa a possibilidade de apresentar uma 'quase proposta de moratória' para resolver o seu lado, naquela visão de 'socializar o prejuízo'". Questionou, ainda, "se acaso, em cenário supostamente inverso", a empresa viesse "a ter ganhos extraordinários com as operações, viria a juízo oferecer o excedente ao banco?"

Como se vê, o panorama não é favorável às empresas. Quatro liminares foram indeferidas e as sete liminares deferidas foram condicionadas ao depósito judicial dos valores discutidos. Além disso, existe uma expressiva jurisprudência contrária à revisão de contratos com risco cambial. Em suma, enquanto o real se encontrava valorizado e eram credoras dos bancos, as empresas cumpriram os mesmos contratos que ora questionam em virtude de terem se tornado devedoras, o que reduz as chances de êxito das ações em curso.

Alexandre de M. Wald e André de Luizi Correia são advogados e sócios do escritório Wald e Associados Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

quarta-feira, 18 de março de 2009

Mendes defende mudanças para a promoção de juízes

São Paulo, terça-feira, 17 de março de 2009

Folha de Sao Paulo

Mendes defende mudanças para a promoção de juízes

Presidente do STF diz que há casos de magistrados sem vocação em varas especializadas

Ministro, que citou como exemplo varas de execução criminal e da infância e juventude, afirma que CNJ irá regulamentar o tema

THIAGO FARIA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA ONLINE

O ministro Gilmar Mendes, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), defendeu ontem a mudança nos critérios para a remoção e promoção de juízes no país. De acordo com ele, o assunto está sendo discutido no CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que deve regulamentar o tema por meio de uma resolução.
Mendes, que também é presidente do CNJ, afirma ter detectado casos de juízes promovidos para varas específicas -como de execução criminal e da infância e juventude- que não têm vocação adequada para exercer a função.
"Estamos sugerindo que os próprios conselhos de Justiça, órgãos superiores da Justiça de cada Estado, façam a devida avaliação tendo em vista esse perfil", afirmou o ministro durante reunião com membros do conselho da Fundação Abrinq, em São Paulo.
Durante a reunião, membros da fundação afirmaram ter preocupação com decisões de juízes que acabam condenando jovens ao sistema prisional por pequenos delitos.
Embora as mudanças nos critérios de promoção ainda estejam em discussão, o ministro do STF sinalizou que as alterações visam aperfeiçoar as atuais regras por antiguidade ou merecimento.
De acordo com Gilmar Mendes, em alguns casos é preciso que o magistrado atue como uma espécie de "gestor" para que possa exercer sua função de forma satisfatória.
"Nós precisamos de pessoas que conheçam o tema e que se interessem, que fiscalizem os eventuais abusos, que tenham um papel de gestor, que recusem os abusos de direitos humanos que se perpetuam, que eventualmente tenham até a coragem de dizer, por exemplo, que não mais vai haver determinado tipo de condição que pode-se levar ao encerramento de uma unidade prisional", afirmou o ministro.
"Não é razoável que um juiz da execução criminal nunca tenha visitado um presídio", disse o presidente do Supremo.