O Judiciário e as operações de derivativos
Alexandre de M. Wald e André de Luizi Correia
19/03/2009
Nos últimos meses, têm sido noticiadas várias liminares sobre operações de derivativos ou de hedge cambial. Em regra, operações atreladas ao dólar têm por objetivo fornecer proteção contra a variação cambial, mas elas têm sido usadas "também para a especulação financeira", como reconheceu o Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do Recurso Especial nº 591.357. A apuração de quem deve pagar ou receber se dá mediante as verificações de dólar, cálculos realizados em datas fixas nas quais as partes apuram a diferença entre a cotação pré-estabelecida no contrato e a cotação oficial (PTAX), aplicando uma fórmula definida no contrato.
Várias empresas tiveram expressivos ganhos com essas operações enquanto o dólar perdia valor frente ao real. No entanto, a partir de meados de setembro, com a valorização do dólar, a situação se inverteu e tais empresas se tornaram devedoras dos bancos. A maioria liquidou ou renegociou suas dívidas. Algumas, no entanto, foram à Justiça questionar os contratos, sustentando que os bancos teriam oferecido tais operações a clientes sem o perfil adequado e não teriam explicado adequadamente os riscos envolvidos, o que autorizaria sua anulação por violação à boa-fé contratual, conforme prevê o artigo 422 do Código Civil). Argumentam também que a valorização do dólar, em razão da crise mundial, seria um evento imprevisível, gerador de desequilíbrio, o que autorizaria a revisão dos contratos com fundamento na teoria da imprevisão, prevista nos artigos 478 a 480 do Código Civil. Algumas empresas partiram para um ataque formal, alegando falta ou excesso de poderes dos executivos que celebraram os contratos.
Esses argumentos são frágeis, porque tais operações foram contratadas por altos executivos, com experiência suficiente para mensurar a adequação e os riscos desse tipo de contrato. Além disso, no ordenamento jurídico brasileiro, operações de risco se qualificam como contratos aleatórios, como prevê os artigos 458 a 461 do Código Civil, que tem no próprio risco a sua essência. A implementação do risco não justifica nem o descumprimento, nem a revisão do contrato. Como já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) durante o julgamento da Apelação nº 2007.001.69503, "um derivativo alavancado na variação futura do dólar poderia ensejar ganhos acima da média, mas em seu bojo também trazia a possibilidade de perdas expressivas, como de fato aconteceu. Não quisesse ter risco algum, deveria o recorrido ter lançado mão de investimentos conservadores, o que efetivamente não fez".
A alusão à crise mundial não altera a situação, pois a realização de pagamentos em caso de valorização do dólar foi justamente o risco assumido e previsto nessas operações. Ademais, o STJ já decidiu que "a variação cambial é acontecimento previsível no ambiente negocial com moedas estrangeiras" no julgamento do Recurso Especial nº 699.860, tendo enfatizado, em outra oportunidade - a análise do Recurso Especial nº 614048-, que "ao contratar em moeda estrangeira, o empresário sabe e espera que sua obrigação seja quantificada segundo a variação cambial. O mercado de câmbio, por natureza, é variável". O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) também decidiu que "a variação cambial do dólar não pode ser considerada fato imprevisível, conforme vem decidindo a jurisprudência" ao julgar a Apelação nº 7.301.525-2, e também entendeu que "não caracteriza a propalada imprevisibilidade, apta a permitir a revisão almejada pela recorrente, porque inerente ao contrato o reajuste pela própria variação cambial, qualquer que fosse ela e sem balização de limites" ao analisar a Apelação nº 591.035-0.
Nos Estados Unidos, contratos de derivativos celebrados conforme regras da International Swaps and Derivatives Association (ISDA), que inspiraram os contratos brasileiros, têm sido questionados há muito tempo. A Justiça americana, no entanto, já firmou jurisprudência acerca da validade desses contratos, como demonstram as decisões nos casos Indosuez versus National Reserve Bank, Korea Life versus Morgan Guar. Trust., St. Matthew's Baptist Church versus Wachovia Bank, K3C Sierra Industries versus Bank of America e Power & Tel. Supply. versus Suntrust Banks. Merece destaque recente decisão no caso Hexion versus Huntsman, que rechaçou a alegação de que a crise mundial constituiria um material "adverse effect" - o equivalente americano ao fato imprevisível que autoriza a aplicação da teoria da imprevisão no Brasil - e, assim, determinou o cumprimento do contrato.
No Brasil, a partir da crise, foram propostas cerca de 12 ações para discutir derivativos, todas com pedidos de liminar. A Justiça gaúcha concedeu liminares em duas ações, mas exigiu caução equivalente aos valores discutidos. A Justiça paulista indeferiu uma liminar em uma ação e concedeu liminares em outras cinco, mas determinou o depósito judicial das parcelas. A Justiça catarinense indeferiu liminares em três ações, enfatizando que quem realizou esse tipo de operação "optou por uma linha de ação empresarial-financeira, mas pelo visto cometeu erros de diagnóstico. Como inúmeros outros ao redor do globo, nesse momento de forte depressão no cenário econômico internacional, pode-se ter perdido dinheiro, mas isso não significa a possibilidade de apresentar uma 'quase proposta de moratória' para resolver o seu lado, naquela visão de 'socializar o prejuízo'". Questionou, ainda, "se acaso, em cenário supostamente inverso", a empresa viesse "a ter ganhos extraordinários com as operações, viria a juízo oferecer o excedente ao banco?"
Como se vê, o panorama não é favorável às empresas. Quatro liminares foram indeferidas e as sete liminares deferidas foram condicionadas ao depósito judicial dos valores discutidos. Além disso, existe uma expressiva jurisprudência contrária à revisão de contratos com risco cambial. Em suma, enquanto o real se encontrava valorizado e eram credoras dos bancos, as empresas cumpriram os mesmos contratos que ora questionam em virtude de terem se tornado devedoras, o que reduz as chances de êxito das ações em curso.
Alexandre de M. Wald e André de Luizi Correia são advogados e sócios do escritório Wald e Associados Advogados
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
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