quarta-feira, 12 de março de 2008
A teoria da conspiração e o Poder Judiciário
Marcos Lobo de F. Levy e Gabriel Tannus
11/03/2008
Recentemente, a figura do "sham litigation" foi resgatada do mundo jurídico americano para sustentar, aqui no Brasil, o argumento segundo o qual, a Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça, deveria adotar postura rígida em relação à conduta de determinados agentes econômicos quanto ao fato de estes buscarem na Justiça direitos que seriam abusivos e, portanto, com uso de má-fé.
A tese que vem sendo defendida aponta para um alvo com a precisão de um míssil teleguiado: os laboratórios farmacêuticos que estariam, utilizando o processo civil como instrumento de ilegítima e abusiva extensão de proteção de patentes.
Neste caso, a acusação de uso de má-fé é vazia, já que não se esclarece quem seriam estas indústrias que abusam do Judiciário, e por que haveria tanta certeza de que a prestação jurisdicional procurada por estas empresas configuraria o que se chama de "sham litigation"?
Entende-se por "sham litigation", como definido pela Suprema Corte Americana, uma ação que, objetivamente não tem base legal nem mérito e, portanto, nenhum litigante razoável poderia, realisticamente, esperar uma decisão processual a ele favorável servindo, destarte, como mero empecilho à livre concorrência.
No Brasil, a legislação de propriedade industrial e o processamento de pedidos de registro de patentes, assim como em outros países, são extremamente técnicos e burocráticos. Mais que isso, há na legislação brasileira, além das patentes regulares, as reguladas pelos artigos 230 e 231 da Lei 9.279, de 1996, que obedecem a critérios diferentes. Qual delas seria o objeto de casos de "sham litigation" no Brasil?
Vale destacar que a legislação brasileira, especialmente o Código de Processo Civil - Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - possibilita a aplicação de sanções a quem se utiliza do Judiciário para fins escusos, ilegais ou protelatórios (artigo 17) ou propõe ações sem base legal nem mérito. Para isso, entretanto, é preciso demonstrar que, de fato, determinado litigante está agindo de má-fé no uso do Poder Judiciário. Aqueles que não têm o domínio de um tema tão complexo como este podem ser induzidos a pensar que o Poder Judiciário não estaria tendo o discernimento necessário ao examinar as causas propostas na tentativa, exclusiva, de impedir a concorrência.
Faz-se necessário lembrar ainda que, o artigo 188 do Código Civil Brasileiro, indica que não constitui ato ilícito o exercício regular de um direito reconhecido.
É preciso demonstrar que, de fato, determinado litigante está agindo de má-fé no uso do Poder Judiciário
Ressalte-se que o direito de acesso ao Judiciário está devidamente previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.
Aliás, nossas considerações vão no sentido de que os próprios críticos admitem que nenhuma empresa assumiria o risco de produzir e comercializar medicamentos genéricos enquanto perdurasse uma situação de indefinição jurídica. Ora, se há indefinição jurídica é porque o Judiciário precisa se manifestar a respeito da situação e, se é assim, onde estaria o alegado abuso de direito ou a má-fé?
É fato que o uso do Poder Judiciário não deve servir como meio de impedir a concorrência. Entretanto, a busca da preservação de direitos patentários, tão necessários às empresas de investimentos vultosos em pesquisa, não se enquadra neste uso indevido que se tenta impingir à indústria farmacêutica de inovação.
Há também hoje um questionamento, ou uma inferência, quanto à negociação entre governo e os titulares do direito patentário de que, com a manutenção do direito de patentes, o governo seria obrigado a adquirir os fármacos pelo preço exigido pelo laboratório e, por isso, seria impedido de ampliar o acesso da população aos medicamentos. Aviltaria assim, sua política de saúde pública.
Aviltante mesmo é desconhecimento existente em relação ao fato de o Brasil ser um dos poucos mercados no mundo em que o preço do medicamento é controlado por critérios draconianos e a sua definição, cujas bases são referenciadas em outros países, leva em conta o impacto que o preço terá sobre o orçamento das compras governamentais e nos programas oficiais de acesso.
Portanto não se pode falar em imposição de preço ou deliberação de qualquer natureza que venha a impedir o consumidor de ter acesso a drogas inovadoras. De outra parte, os medicamentos genéricos são mais baratos não por uma questão de generosidade, mas por imposição da lei.
Ademais, a característica do próprio negócio desobriga os produtores de genéricos a investir e desenvolver medicamentos, pois a indústria farmacêutica de pesquisa já fez os investimentos necessários e, ao contrário do que se possa presumir, ela não veio para aniquilar a concorrência. Ao contrário, a indústria de pesquisa existe justamente para alavancar e dar oportunidade a outros agentes econômicos de igualmente participar do mercado, sem ter que defender, disfarçadamente, interesses e teorias conspiratórias construídas exclusivamente para confundir a opinião pública.
Marcos Lobo de Freitas Levy e Gabriel Tannus são, respectivamente, advogado especializado em propriedade industrial do A. Lopes Muniz Advogados, e presidente-executivo da Interfarma-Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
Concurso do Rio
Balanço dos três anos da nova Lei de Falências
Balanço dos três anos da nova Lei de Falências
Julio Kahan Mandel e Paulo Calheiros
12/03/2008
A nova Lei de Falências e Recuperações Judiciais completa três anos de vida. Não há mais dúvida de que realmente ocorreu uma quebra de paradigma em relação à reestruturação de passivos das empresas, e aos poucos a antiga concordata, e a aversão que o modelo causava aos credores, vai sendo esquecida. Logicamente, até pela má técnica legislativa empregada, a jurisprudência vem corrigindo rotas e clareando pontos controvertidos, trazendo mais segurança jurídica ao país.
Redução nos custos de desnecessários editais (e nas próprias custas judiciais), nomeação de bons administradores judiciais, tramitação rápida dos processos, impedimento de corte de fornecimento de energia, gás ou telefone por dívidas sujeitas à recuperação judicial, moderação na fixação de honorários de administradores judiciais, flexibilização na possibilidade de migração da concordata para o novo regime, rápido deferimento do processamento da ação (sem estar preso a maiores formalismos), dispensa da apresentação de Certidões Negativas de
Débito Fiscal (CND), entre outras, são decisões que vêm contribuindo para a eficácia da lei como instrumento recuperador da saúde da empresa em dificuldade.
Contudo, em alguns casos, até por deficiência na própria lei, a jurisprudência não vem afastando alguns obstáculos para que o processo de recuperação judicial possa viabilizar a efetiva recuperação da empresa devedora. O maior exemplo é o posicionamento em relação a certas formas de crédito bancário que deveriam se sujeitar aos efeitos da recuperação judicial, mas que têm sido afastados do processo em alguns casos.
São os famigerados contratos com alienação fiduciária de recebíveis, que são depositados na conta da empresa devedora mantida na instituição financeira contratada (trava bancária), ou bloqueados diretamente nas vendas através de cartões de crédito.
Mesmo com a recuperação judicial, os bancos bloqueiam os novos recursos oriundos de vendas realizadas após a impetração, e que são depositados na conta da empresa devedora, chegando-se em certos casos a bloqueios de 100% do faturamento, inviabilizando a recuperação da unidade produtiva e o pagamento aos demais credores.
Nem mesmo a proteção obtida com a suspensão de execuções por seis meses (período em que fica também vedada a retirada de bens de capital essenciais à atividade empresarial da posse da recuperanda), vem sendo aplicada. Ora, qual bem é mais essencial a uma empresa em recuperação do que os recebíveis de seus clientes, que constituem o seu capital de giro? Houve omissão do legislador neste caso, mas está claro o espírito da lei em impedir a descapitalização total da empresa.
O cenário ideal de uma recuperação judicial seria uma parceria entre credor e devedor, para que o devedor, com auxilio de seu credor, conseguisse se reestruturar, quitar a sua dívida e manter a unidade produtiva viva. Como isso é possível quando um banco credor retém todos os frutos do que a empresa produz? Como a recuperanda pode obter dinheiro novo, sem o qual nenhuma empresa em recuperação judicial sobrevive, se o financiador constatar que seu dinheiro novo será todo utilizado para quitar contratos anteriores com bancos e não para reerguer a empresa? Como alongar um financiamento mediante acordo se um lado detém tamanha força em relação ao outro?
O ideal é a parceria entre credor e devedor, para que este consiga manter viva a unidade produtiva
A legalidade de tal conduta é totalmente discutível, pois evidentemente contrária ao objetivo da lei: auxiliar e estimular a recuperação das empresas. Como bem defendeu o professor Manoel Justino Bezerra Filho em sua comentada obra sobre a matéria, em certos pontos a nova lei parece uma lei de recuperação de crédito bancário e não de empresas.
Urge uma guinada no entendimento jurisprudencial e especialmente uma alteração legislativa, para submeter o crédito bancário desta modalidade aos efeitos da recuperação judicial, ou permitir a substituição dos valores bloqueados por recebíveis futuros, ao menos durante o período de seis meses iniciais, com ou sem anuência do credor. |
Outro ponto que vem causando atritos, de maneira surpreendente posto que neste aspecto a lei é clara, é justamente uma eventual não-suspensão das ações e execuções por créditos sujeitos ao procedimento em face da empresa em recuperação judicial - artigo 6º da Lei 11.101, de 2005. Certas recuperandas vêm sendo vítimas de constrição sobre seus bens, perpetradas em especial pela Justiça trabalhista, mesmo dentro do prazo suspensivo, como bloqueio de contas bancárias e manutenção de penhoras sobre bens móveis e imóveis, muitas vezes se determinando até mesmo a venda em leilão.
O prosseguimento das execuções trabalhistas durante o período de suspensão não possui qualquer fundamento jurídico ou lógico, uma vez que é explicitamente contrário à formação do concurso de credores. O pagamento aos credores trabalhistas é parte da recuperação judicial e fará parte do plano de pagamento que será apresentado, onde inclusive goza de benesses previstas em lei. Se privilegiado um credor em uma execução individual, os demais serão preteridos. É o mesmo princípio aplicável às falências, onde também a lei vem sendo desrespeitada por certas decisões trabalhistas, conflitantes com a criação do juízo universal.
Mas os tribunais superiores vêm consolidando a competência do juízo da recuperação judicial (e da falência) em face dos trabalhistas, bem como a obrigatoriedade de se respeitar a Lei de Falências.
Em linhas gerais, o processo de recuperação vem obtendo sucesso, e aos poucos revertendo a cultura da concordata, desgastada em virtude do pouco sucesso em recuperar as empresas da antiga moratória. Os credores vêm notando que somente atuando em parceria com seu devedor, para que a recuperanda possa gerar novos faturamentos, é que será possível receber a antiga dívida, e ainda tem como bônus manter um cliente cativo, que gera novos lucros em novas operações.
Resta às instituições financeiras, privilegiadas na nova classificação de crédito e na nova lei em geral, passarem a agir como parceiras das empresas em reestruturação, abrindo novas linhas de crédito (a nova lei protege os créditos novos, que são extraconcursais em caso de quebra), ou ao menos não bloqueando seu faturamento pós-impetração da recuperação judicial, negociando com o devedor extensões nos prazos de pagamento, mesmo se encontrando em posição de força perante a atual interpretação da lei. E também uma maior obediência à lei correlata pelos juízos estranhos à recuperação judicial, a fim de se evitar decisões conflitantes e insegurança jurídica.
Julio Kahan Mandel e Paulo Calheiros são, respectivamente, sócio e
advogado do escritório Mandel Advocacia
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
quinta-feira, 6 de março de 2008
Fazenda pode cobrar débito em cinco anos
No TRF da 3ª Região, de São Paulo, uma decisão publicada nesta semana baseou-se nos novos precedentes do STJ para extinguir uma execução da Fazenda. A decisão, proferida pela terceira turma do tribunal, já cita novos precedentes do STJ ocorridos entre 2006 e 2007 com respaldo da primeira seção - até então havia apenas julgamento nas turmas. Na sétima turma do TRF da 1ª Região, contudo, ainda há decisões seguindo a posição pró-fisco, que ignoram os julgamentos do STJ.
A jurisprudência fixada pelo STJ deixa aberta uma brecha muito utilizada por contribuintes para dar fim a ações de cobrança, aproveitando-se da lentidão do fisco. A Receita Federal costuma aguardar até o último momento do prazo de prescrição, de cinco anos após o vencimento do tributo, para formalizar o débito e inscrever a pendência em dívida ativa. O problema é que para a procuradoria conseguir suspender a prescrição precisa ajuizar o processo de execução antes do aniversário de cinco anos da dívida, o que muitas vezes não era feito a tempo.
De acordo com Eduardo Perez Salusse, do escritório Neumann, Salusse, Marangoni Advogados, pelo grande volume de processos administrados pela Procuradoria da Fazenda, pela demora entre a inscrição em dívida ativa e o ajuizamento da execução ser de alguns meses, o débito prescreveria neste tempo. Mas a Fazenda defende um prazo de "cinco anos mais cinco" para cobrar os débitos declarados pelos contribuintes. Por esse critério, uma vez que há um débito declarado e não pago, a Fazenda teria cinco anos até vencer a decadência do tributo, mas uma vez que ele é constituído em tempo - pela inscrição em dívida ativa -, contariam mais cinco anos até a prescrição. Assim a Fazenda teria anos de sobra antes do vencimento do crédito.
Segundo a posição firmada no STJ não há que se falar de decadência no caso de tributos declarados, pois a própria declaração do débito pelo contribuinte pode ser considerada a constituição do débito, e os dez anos defendidos pela Fazenda viram apenas cinco. "Se o débito declarado pelo contribuinte somente pode ser exigido a partir do vencimento da obrigação, é desse momento que se inicia o prazo prescricional para que a fisco cobre a dívida", afirmou a ministra Eliana Calmon no principal precedente sobre o tema na primeira sessão.
O problema só foi resolvido pela edição da Lei Complementar nº 118, de 2005, que mudou o momento de suspensão da prescrição. O critério era o ajuizamento da execução, e passou a ser pela nova lei a inscrição em dívida ativa. Mas a regra antiga continua valendo para execuções ajuizadas antes da Lei Complementar nº 118 de 2005.
Curiosamente, ao mesmo tempo em que a lei complementar facilitou a vida para o fisco, dificultou a do contribuinte, acabando com a brecha do "cinco mais cinco" usada pelas empresas para cobrar créditos da Fazenda. O STJ entendia que eram de dez anos o prazo para os contribuintes pedirem a devolução de tributos cobrados em excesso pelo fisco, mas a lei reduziu o período para cinco anos.
CPMF pode deixar herança para bancos
Santander,
Nos casos do Santander e do Citibank, o planejamento usou a DTVM dos respectivos grupos. Chamado de "pagline plus", o planejamento do Santander envolvia a Santander Noroeste DTVM. A DTVM recebia os recursos do cliente do banco. Isso incluía cheques recebidos pelo cliente do banco. A DTVM tinha uma conta no banco Santander. Os recursos dos clientes mantidos na conta da DTVM eram usados para pagar os fornecedores do cliente. Dessa forma, evitava-se a movimentação dos recursos nas contas correntes dos clientes. O resultado permitia evitar a cobrança da CPMF no momento em que os valores eram usados para o pagamento dos fornecedores dos clientes. Isso era possível porque a legislação previa alíquota zero de CPMF para as operações das DTVMs. Portanto, os débitos na conta da Santander Noroeste DTVM junto ao banco não pagavam a contribuição.
A economia de 0,38% de CPMF valia a pena para empresas com grande movimentação de cheques ou pagamentos recebidos de seus clientes. A Petrobras foi uma das companhias mencionadas como usuárias do serviço no caso do Santander, cujo autuação atingiu R$ 290 milhões.
O planejamento oferecido aos clientes pelo Citibank era muito semelhante. No caso utilizou-se a Citibank DTVM como detentora da conta na qual aconteciam os débitos de recursos dos clientes.
Nos dois casos, a fiscalização da Receita alegou que a alíquota zero de CPMF se aplicava apenas a atividades próprias das distribuidoras de títulos expressamente listadas em uma portaria que definiu o alcance do benefício. E a atividade exercida pelas DTVMs no planejamento desenhado em conjunto com os bancos não era um deles. Esse foi um dos argumentos acatados pelo Conselho para manter a exigência da contribuição. Apesar de a CPMF ser devida pelos clientes dos bancos, a exigência da contribuição diretamente das instituições financeiras se justificou por serem elas as responsáveis pela retenção do tributo.
Outro caso analisado pelo Conselho é o do Itaú, em outro tipo de operação. O banco adquiriu participações societárias liquidadas com transferências de títulos públicos. A transferência de propriedade dos títulos, porém, foi feita por sistema interno do banco e os recursos não transitaram pelas contas correntes nem do Itaú e nem de quem vendeu as participações, salvando as transferências de valores da cobrança da CPMF. Na mesma fiscalização, o Itaú também foi autuado por ter realizado para seus clientes o pagamento de empréstimos, despesas e também aquisição de ativos com títulos públicos. Os clientes, na verdade, eram subsidiárias e coligadas do banco. Também neste caso, as transferências se deram por meio do sistema interno do Itaú, sem transitar pela conta corrente das empresas. A autuação contra o banco foi de R$ 92,4 milhões.
A fiscalização entendeu, porém, que tais operações foram contra a legislação da CPMF. Segundo a Receita, a lei determina que os tipos de liquidação realizados pelo Itaú deveriam necessariamente incluir uma movimentação financeira que pagaria a contribuição. O Conselho acatou o argumento.
Segundo o titular da Deinf, Marco Antonio Ruiz, a CPMF é o tributo que tem acumulado mais vitórias ao Fisco no conselho de contribuintes, mesmo com os bancos sendo defendidos por grandes escritórios e tributaristas que não têm se limitado à apresentação dos argumentos em papel e têm solicitado a argüição oral durante praticamente todos os julgamentos. Ruiz esclarece, porém, que os bancos têm recorrido à última instância do próprio conselho para reverter as primeiras decisões e podem levar o assunto ao Judiciário.
Fernando Zilveti, sócio do
O consultor Luís Rogério Farinelli, do
Procurado, o escritório
Valor On Line
ONU critica nova lei antidrogas brasileira
Segundo documento, lei brasileira "pode até prejudicar a investigação e o julgamento das atividades ilícitas relacionadas a drogas"
Estrutura da rede pública é deficiente para atender usuário, afirma relatório; para governo, rede de ONGs dará suporte à demanda
ANDRÉA MICHAEL
FELIPE SELIGMAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A lei, de 2006, "pode até prejudicar a investigação e o julgamento das atividades ilícitas relacionadas a drogas, e pode dar a entender à opinião pública que o governo está tratando o narcotráfico com mais indulgência", diz o documento.
A legislação anterior dava o mesmo tratamento a usuários e traficantes.
Apresentado em Brasília, o relatório é da Jife (Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes), braço jurídico do UNODC, escritório da ONU contra drogas e crime. Contém dados de todos os continentes.
O secretário nacional Antidrogas, Paulo Uchôa, refutou as críticas. Disse que a rede pública está em preparação e que, ao mesmo tempo, disporá de uma estrutura de ONGs que poderá dar suporte à demanda e atender usuários de drogas, que, por determinação judicial, devam ser tratados como doentes.
A falta de estrutura, porém, é reconhecida por quem atua na área. "A lei é boa. O quadro de desassistência é escandalosamente dramático não só no Distrito Federal como no Brasil. A rede pública precisará se equipar", diz o promotor Jairo Bisol, que atua em Brasília.
Pedro Gabriel, coordenador da área técnica de saúde mental, álcool e drogas do Ministério da Saúde, admite que existe "uma lacuna entre a demanda de tratamento e a oferta de serviços", mas afirma que "o Brasil vive uma tendência de ampliação da rede de atendimento ao usuário e, talvez, devesse ter sido registrado esse processo".
Quanto à "condescendência" que a Jife vê na lei, o representante regional do UNODC para o Brasil e Cone Sul, Giovanni Quaglia, citou experiências de outros países que combinam o tratamento médico do usuário na mesma medida em que ele colabore com a Justiça para ajudar no combate ao crime.
Consumo de drogas
Outro dado da Jife é que, ao contrário da América do Sul, onda a droga mais consumida pelos estudantes é a maconha, a preferência no Brasil seria por substâncias inaláveis (basicamente cola de sapateiro).
A questão é polêmica, pois a Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) alega que, pela legislação, a cola não é uma substância ilícita -portanto, os critérios do relatório divergem dos usados para classificar o que é legal ou ilegal no Brasil.
Para a Senad, a maconha continua a ser a droga mais consumida entre os jovens -a pasta se baseia em levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas, de 2005.
"O relatório é uma publicação legítima, mas precisamos de um olhar um pouco crítico, porque muitos países não possuem sistema de coleta de dados ou, quando possuem, não são confiáveis", disse Uchôa.
A Jife leva em conta, porém, um estudo do UNODC e da Comissão Interamericana de Controle e Abuso de Drogas que mostra o Brasil como o primeiro colocado no uso de inalantes entre os alunos do ensino médio da América do Sul.
Elogiada pela ONU, instituição concentra tratamento de desintoxicação no usuário
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DA REPORTAGEM LOCAL
A reabilitação dos usuários de drogas e dependentes químicos, explica Barreiros, passa por uma rede de nove tipos de serviço, como a redução de danos, que incentiva a substituição de drogas e faz trabalhos de campo com grupos de risco. Na região central de Santo André, o Naps AD é uma casa simples, de corredor longo e dois andares, que em fevereiro atendeu a 215 pacientes.
Sem aquele aspecto clássico de clínicas de desintoxicação no mato, oferece aulas de ioga, oficinas de artesanato e máquina de lavar roupas aos usuários.
Na chegada, uma triagem faz a avaliação médica e, a depender da gravidade do caso, encaminha à urgência hospitalar.
"Quando chegam, muitos usuários não sabem dizer que dia da semana é", diz Alécio Donizete Rodrigues, técnico em dependência química.
No Naps, os usuários são atendidos no chamado hospital-dia, entre duas e cinco vezes por semana. Apenas nos casos mais graves passam a noite no lugar.
O perfil dos usuários que buscam assistência para deixar o vício vai de moradores de ruas a pais de família que chegam voluntariamente ou são encaminhados por hospitais públicos, pela polícia e por juízes.
"O sucesso não é necessariamente parar de usar droga, mas aumentar a qualidade de vida, dar sucesso e autonomia às pessoas", diz Barreiros.
terça-feira, 4 de março de 2008
STJ Reserva de vaga para deficiente não garante posição na classificação final de concurso
Portadores de deficiência que participam de concurso público geralmente têm a mesma dúvida: a reserva de vagas prevista na Constituição Federal é também garantia de posições na classificação geral do certame? A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça entendeu que não.
O entendimento do colegiado de ministros é que o candidato portador de deficiência aprovado tem que se posicionar dentro do número de vagas existentes, ainda que com média inferior à dos demais candidatos. Esse direito cumpre a reserva de vagas prevista tanto na Constituição quanto na legislação que disciplina o assunto. No entanto as mesmas normas não determinam a posição em que o candidato especial deve ser classificado porque não mencionam a proporção de candidatos deficientes em relação aos regulares.
A questão foi discutida recentemente no julgamento de um mandado de segurança impetrado por dois portadores de necessidades especiais que concorreram a uma das 272 vagas para o cargo de procurador federal. Quatorze vagas do concurso foram reservadas para portadores de deficiência. Classificados nas posições 607 e 608, os candidatos alegaram que, como foram aprovados em terceiro e quarto lugares entre os deficientes, deveriam figurar, respectivamente, em 60º e 80º lugares. Para sustentar essa pretensão, eles argumentaram que, como foram reservadas 5% das vagas para portadores de deficiência, a cada 19 candidatos aprovados, deveria constar um deficiente.
O relator do caso, ministro Arnaldo Esteves Lima, considerou que o argumento não tem amparo legal. Caso prevalecesse essa tese dos impetrantes, como foram aprovados seis candidatos portadores de deficiência, o último colocado entre eles ocuparia o 120º lugar, restando ainda 152 vagas para serem preenchidas por candidatos regulares que obtiveram notas superiores.
O ministro ressaltou que o raciocínio desenvolvido pelos impetrantes teria plausibilidade jurídica se houvesse 20 vagas previstas e a reserva fosse também de 5%. Aí sim, seria classificado um portador de deficiência a cada 19 candidatos regulares aprovados.
Considerando que a aprovação de seis candidatos especiais, a posição dos impetrantes na lista especial e o número de vagas existentes, o relator concluiu que eles devem figurar nas posições 269 e 270, respectivamente. Desse modo, os candidatos deficientes têm assegurado o direito legal e constitucional à reserva de vagas, independentemente da nota final obtida. Mas, por outro lado, não têm a garantia de posição na classificação final do concurso. “O percentual legal incide sobre a quantidade de vagas existentes, e não proporcionalmente de acordo com o número de candidatos aprovados, a contar do primeiro colocado”, sustentou o ministro relator em seu voto. “Reservam-se as vagas, e não posições na classificação final do certame”, esclareceu.
A decisão se deu por maioria. Acompanharam o voto do relator os ministros Nilson Naves, Paulo Gallotti, Maria Thereza de Assis Moura e o juiz convocado Carlos Mathias. Ficaram vencidos os ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Felix Fisher, Laurita Vaz e a desembargadora convocada Jane Silva.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa
segunda-feira, 3 de março de 2008
A arbitragem e a execução judicial de título extrajudicial
03/03/2008
Com o desenvolvimento e a consolidação da arbitragem no Brasil como um eficaz meio de solução de controvérsias, surgem novas questões que demandam a manifestação da doutrina e dos tribunais. Dentre essas questões está a polêmica acerca da possibilidade de um contrato que atenda aos requisitos de título executivo extrajudicial e contenha cláusula compromissória ser objeto de ação de execução perante o Poder Judiciário. |
Parece-nos que o procedimento arbitral muito se assemelha ao processo de conhecimento, de sorte que foge do âmbito da arbitragem pretensão que diga respeito à execução de créditos líquidos, certos e exigíveis. Se uma parte tiver interesse em exigir o cumprimento de obrigação de que trate determinado título executivo, ainda que haja cláusula compromissória, deverá fazê-lo diretamente perante o Poder Judiciário por meio da ação de execução. |
Entendemos que, no caso de existência de cláusula compromissória em título extrajudicial capaz de instruir uma ação de execução perante o Poder Judiciário, caberá ao juiz togado a competência para apreciar e deferir as medidas inerentes à respectiva ação de execução. Ao árbitro poderá caber o julgamento das questões que seriam argüíveis em uma típica medida judicial de natureza cognitiva, tais como as que são levantadas em sede de ações declaratórias de inexigibilidade ou em embargos do devedor. |
Tais competências não se sobrepõem e nem se anulam; pelo contrário, se complementam, conforme já decidido pelos nossos tribunais: A.I. nº 7.042.107, São Paulo, TJSP, 12ª Câmara de Direito Privado, A.I. nº 7.118.935-2, São Paulo, TJSP, 22ª Câmara de Direito Privado, e Apelação Civil nº 7596/2004., Rio de Janeiro, TJRJ. |
Vislumbramos que a arbitragem, de certa forma, constitui alternativa aos embargos à execução ou à ação declaratória (típicas ações de conhecimento), de modo que, nos estritos termos dos artigos 267, VI, 580, 585, parágrafo primeiro, do Código de Processo Civil, não há qualquer dúvida sobre a total impossibilidade de se extinguir a ação de execução simplesmente por haver previsão contratual de instalação de juízo arbitral. |
Pelo regime em vigor, caberá ao julgador observar os requisitos do CPC para decidir sobre suspensão da execução |
Devemos notar, ainda, que existe dúvida acerca da possibilidade de suspensão da execução judicial pela instauração da arbitragem. A Lei nº 11.382, de 2006, alterou a disciplina da execução judicial de títulos extrajudiciais. Um dos pontos mais marcantes da nova lei foi criar condições para uma execução mais efetiva, como consubstanciado no novo artigo 739-A do Código de Processo Civil. Tal mudança previu que, em regra, os embargos do executado não terão efeito suspensivo. Apenas excepcionalmente o executado pode pleitear a atribuição de efeito suspensivo aos seus embargos, comprovando que: (i) os fundamentos de sua defesa são relevantes; (ii) a execução lhe causará graves danos de difícil e incerta reparação; e (iii) o pagamento do débito executado já está garantido por penhora, depósito ou caução suficiente. |
Dito de outro modo, de acordo com a legislação em vigor, entendemos que o simples fato de existir uma ação de conhecimento, seja perante o árbitro ou o juiz estatal, cujo objeto seja o questionamento da liquidez, certeza e exigibilidade de débito executado perante o Judiciário, não implica necessariamente a suspensão do trâmite da ação de execução. Pelo regime em vigor, caberá ao julgador observar os requisitos do artigo 739-A do Código de Processo Civil (CPC) para decidir acerca da suspensão da execução judicial. |
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) recentemente decidiu que a execução e a arbitragem não são incompatíveis, de modo que esta última não é causa de extinção da primeira. No entanto, a Ministra Nancy Andrighi, nos autos da Medida Cautelar nº 13.274 - SP (2007/0225507-1), entendeu ser necessária a suspensão do trâmite da execução após a penhora, tendo em vista a existência de procedimento arbitral em curso. A ilustre ministra cita alguns precedentes daquela corte, os quais prescrevem a suspensão da execução em razão da propositura dos embargos ou de ação declaratória. Ocorre que os precedentes constantes naquela decisão são anteriores à Lei nº 11.382, de 2006, de modo que os mesmos tiveram como base o revogado parágrafo primeiro do artigo 739 do Código de Processo Civil. |
Daí nos parecer que a decisão da Ministra Nancy Andrighi, nos autos da Medida Cautelar nº 13.274 - SP (2007/0225507-1), não está de acordo com a atual sistemática do artigo 739-A do Código de Processo Civil, sendo certo que, hoje, a simples existência de procedimento arbitral ou de ação cognitiva (embargos do devedor ou ação declaratória) não tem a força de automaticamente suspender o trâmite de execução judicial em curso. |
Esta conclusão é a única que pode se enquadrar na evolução legislativa e jurisprudencial do direito processual civil, que, a cada ano, busca se ajustar mais e mais ao princípio da efetividade e do acesso à Justiça. |
Elias Marques Neto e Maria Rita de Carvalho Drummond são advogados de Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados |