Por Beverley McLachlin
22/11/2007
Em termos geográficos, o Canadá e o Brasil estão distantes um do outro. Mas nossos países têm muito em comum. Tanto o Canadá como o Brasil vêm trabalhando cada vez mais juntos na Organização dos Estados Americanos e nas Nações Unidas, em áreas de interesse comum. O Brasil é o maior parceiro comercial do Canadá na América do Sul. Ambos somos democracias vibrantes. Cada uma de nossas democracias está apoiada por um sistema de justiça independente e respeitado, incluindo uma advocacia independente. Ademais, ambos somos Estados federativos que outorgam poderes jurisdicionais significativos aos governos estaduais e municipais. Por estas razões, embora as leis individuais possam variar entre o Canadá e o Brasil, compartilhamos preocupações comuns. Podemos aprender muito um com o outro.
No Canadá, assim como no Brasil, os tribunais desempenham um importante papel na resolução de demandas conflitantes, bem como no sentido de garantir que todos os poderes do governo respeitem e obedeçam a Constituição. Duas decisões recentes da Suprema Corte do Canadá, nosso mais alto tribunal, mostram o papel desempenhado pelos tribunais para assegurar a obediência à Constituição. As decisões referem-se a áreas bem diferentes do direito, mas cada uma exigiu da Suprema Corte a resolução de demandas conflitantes dentro de uma sociedade democrática, respeitando, ao mesmo tempo, os papéis dos poderes Executivo e Legislativo do governo.
22/11/2007
Em termos geográficos, o Canadá e o Brasil estão distantes um do outro. Mas nossos países têm muito em comum. Tanto o Canadá como o Brasil vêm trabalhando cada vez mais juntos na Organização dos Estados Americanos e nas Nações Unidas, em áreas de interesse comum. O Brasil é o maior parceiro comercial do Canadá na América do Sul. Ambos somos democracias vibrantes. Cada uma de nossas democracias está apoiada por um sistema de justiça independente e respeitado, incluindo uma advocacia independente. Ademais, ambos somos Estados federativos que outorgam poderes jurisdicionais significativos aos governos estaduais e municipais. Por estas razões, embora as leis individuais possam variar entre o Canadá e o Brasil, compartilhamos preocupações comuns. Podemos aprender muito um com o outro.
No Canadá, assim como no Brasil, os tribunais desempenham um importante papel na resolução de demandas conflitantes, bem como no sentido de garantir que todos os poderes do governo respeitem e obedeçam a Constituição. Duas decisões recentes da Suprema Corte do Canadá, nosso mais alto tribunal, mostram o papel desempenhado pelos tribunais para assegurar a obediência à Constituição. As decisões referem-se a áreas bem diferentes do direito, mas cada uma exigiu da Suprema Corte a resolução de demandas conflitantes dentro de uma sociedade democrática, respeitando, ao mesmo tempo, os papéis dos poderes Executivo e Legislativo do governo.
A primeira decisão ocorreu no caso de Charkaoui versus Canadá, no início deste ano. Estava em jogo a constitucionalidade do sistema canadense de certificados de segurança, que dispõem sobre a detenção e, finalmente, a deportação de não-cidadãos por motivos de segurança nacional. A Suprema Corte sustentou que a Lei infringia o direito à liberdade e à segurança do indivíduo, garantidas pela Carta Canadense de Direitos e Liberdades, por não dispor de um procedimento justo. A natureza secreta exigida pela lei negava ao indivíduo nominado em um certificado a oportunidade de conhecer as alegações que estavam sendo feitas contra ele ou ela e, por isso, a oportunidade de desafiar o caso do governo. Isto, por sua vez, prejudicou a habilidade do juiz de chegar a uma decisão com base em todos os fatos relevantes e na lei. |
A Corte declarou que a lei não tinha força nem vigor, mas suspendeu esta declaração por um ano para dar ao Parlamento tempo para emendar a lei. A solução é importante. |
Embora a Suprema Corte tenha decidido que a lei era inconstitucional, é uma prerrogativa do Parlamento, formado por representantes eleitos, ajustar a legislação para fazê-la obedecer à Constituição. |
Em outubro deste ano, o governo respondeu com uma proposta de nova legislação. Entre outras modificações, a proposta inclui a introdução de um advogado especial, que tenha autorização para acessar informação sigilosa, cujo papel seria o de defender os interesses do acusado durante os procedimentos legais, quando as provas forem examinadas in camera (em sigilo) e ex parte. |
Juízes são parte de um processo maior por meio do qual o país resolve questões sociais e consegue chegar a um equilíbrio entre interesses conflitantes |
A segunda decisão, Chaou/li v. Quebec, em 2005, levantou questões constitucionais relativas ao sistema de saúde do Canadá. Nos últimos anos, o sistema de saúde estatal do Canadá tem se tornado objeto de um crescente debate público devido ao longo tempo de espera para se realizar alguns procedimentos. Existe uma discussão sobre a permissão para a prestação de alguns serviços de saúde particulares, ou se isto elevaria a desigualdade no sistema, com os ricos tendo um acesso melhor à saúde do que outros cidadãos. |
A maioria dos membros da Suprema Corte foram da opinião de que a legislação das províncias que proibia seguro privado de saúde para serviços cobertos pelo sistema financiado pelo poder público era inconstitucional. A maioria sustentou que a proibição de se ter um seguro privado infringia o direito à vida e à segurança do indivíduo, já que a demora na prestação de serviços de cirurgia no sistema público aumentava o risco de morte do paciente ou o risco de que a sua doença se tornasse irreversível. |
Alguns críticos consideraram esta decisão como uma vitória daqueles que advogam a privatização e a prestação de serviços de saúde em dois níveis em todo o Canadá. Mas esta leitura é simplista demais. A decisão dá às províncias uma flexibilidade considerável ao tratar do problema das listas de espera e do tempo oportuno do tratamento, enquanto mantém um sistema de saúde financiado pelo dinheiro público. A maioria não concluiu que as Cartas de Quebec ou do Canadá garantem um direito irrestrito ao seguro de saúde privado. Eles simplesmente concluíram que a Carta garante o direito ao seguro privado nos casos em que o sistema público de saúde é inadequado. |
No ano passado, o Legislativo de Quebec aprovou uma nova legislação em resposta à decisão da Suprema Corte. O seguro de saúde privado é agora permitido para um número limitado de "tratamentos médicos especializados" designados pelo governo que, atualmente, consistem de cirurgias de substituição de quadril ou joelho e cirurgias de catarata, já que estes são os procedimentos cujo tempo de espera são os maiores. |
Estas decisões trazem à tona importantes questões sociais e políticas no Canadá: segurança nacional e acesso a saúde. Elas envolvem a resolução de demandas conflitantes. Qual deve ser o limite entre o direito do indivíduo a um processo justo e o interesse do Estado na segurança nacional? Como acomodar o desejo por um sistema de saúde financiado pelo dinheiro público com as necessidades dos indivíduos quando os recursos são limitados? Estas são questões difíceis. |
Em uma democracia, todos os poderes do governo têm um papel a desempenhar na resolução destas difíceis questões, bem como para garantir que a Constituição seja respeitada. O Legislativo - representante eleito - tem a tarefa primordial de tomar as decisões em relação às políticas e de aprovar leis que respondam às necessidades e aos anseios da sociedade. A tarefa do Executivo é de fazer as leis funcionarem. O Judiciário, quando convocado em casos individuais, tem o dever de avaliar as ações dos outros poderes para assegurar que elas estão obedecendo à lei e à Constituição. Sendo assim, os juízes são parte de um processo maior por meio do qual o país resolve questões sociais e consegue chegar a um equilíbrio entre interesses conflitantes: um processo chamado democracia. Este é um processo complexo no qual os legislativos e os tribunais desempenham papéis independentes, mas complementares. Quando chamados, os juízes estão prontos para responder a perguntas difíceis sobre os limites constitucionais do exercício do poder e para conciliar os diversos interesses antagônicos, coisas essenciais para a estabilidade do país. |
Beverley McLachlin é a primeira mulher a se tornar presidente da Suprema Corte do Canadá. |
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