quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Justiça revoga 'lei de Gérson' ao usar princípio da boa-fé

Alessandro Cristo
07/11/2007

O novo Código Civil brasileiro, de 2002, parece não ter revogado apenas seu antecessor, de 1917, mas também uma "lei" corriqueira nos costumes brasileiros: a "lei de Gérson", seguida por "quem gosta de levar vantagem em tudo" desde a célebre propaganda de cigarros protagonizada pelo jogador da seleção. A percepção é de advogados, que afirmam que o chamado "princípio da boa-fé objetiva", previsto no novo código, tem norteado decisões judiciais e alterado o foco das argumentações das partes nas petições dos processos cíveis. Ou seja, magistrados e advogados dão cada vez mais importância aos aspectos éticos da conduta das partes ao invés de apenas considerarem os contratos estabelecidos entre elas ao pé da letra.

Embora o princípio da boa-fé objetiva tenha se fortalecido com a vigência do novo Código Civil, sua origem não é nova. O antigo Código Comercial brasileiro, de 1850, já apresentava o fundamento, assim como o Código de Defesa do Consumidor. Em 2002, no entanto, passou a estar presente pela primeira vez no Código Civil, com nada menos do que 55 ocorrências.


Segundo o advogado Flávio Pereira Lima, do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados, hoje a menção ao princípio da boa-fé objetiva já está presente em cerca de 80% dos processos que envolvem litígios empresariais, atos ilícitos ou indenizações. "É uma tendência que está provocando uma revolução moral silenciosa", diz. Segundo o advogado, o princípio prevê que todos devem seguir um padrão de conduta adequado a valores sociais como a ética, a integridade e a clareza. "É a revogação da lei de Gérson", afirma.


Para o advogado Rafael Gagliardi, do escritório Demarest & Almeida Advogados, o princípio disciplina diretamente as relações comerciais. "Se eu vendo um estabelecimento comercial a alguém, não posso abrir outro do mesmo ramo ao lado dele, pois estaria prejudicando esta pessoa deliberadamente", explica. Segundo o advogado, conforme o princípio, ninguém pode fazer uso de seu direito com o intuito de prejudicar alguém. Gagliardi destaca ainda que, em casos de contratos com cláusulas amplas ou obscuras, o magistrado pode utilizar como padrão valores e práticas comuns no mercado.


Os conceitos de boa-fé objetiva foram o fundamento utilizado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar, em agosto, uma demanda entre um fazendeiro e uma indústria de produtos agropecuários. O fazendeiro havia vendido sua safra futura à indústria por um preço fixado em dólares em um contrato. Como a alta do dólar, na data da entrega da produção, garantiu um lucro maior à indústria, aumentando o preço da produção a ser revendida, o fazendeiro apelou para a Justiça para uma revisão contratual, alegando má-fé da compradora, que teria obtido vantagem na negociação. Os ministros do STJ, no entanto, não entenderam desta forma: concluíram que a indústria teria agido de boa-fé, pois correu os mesmos riscos que o fazendeiro ao firmar antecipadamente o preço da produção.


Discussões desta natureza acontecem porque o princípio da boa-fé objetiva rompeu com a idéia do cumprimento ao pé-da-letra dos contratos. Segundo o advogado Rodrigo Carneiro de Oliveira, do Pinheiro Neto Advogados, este conceito fundamentou-se no antigo Código Civil, mas foi paulatinamente superado pela jurisprudência. Para o advogado, os tribunais perceberam que os contratos poderiam ser celebrados de forma desigual entre as partes. "O princípio deu certo desprezo à literalidade dos contratos e maior ênfase aos elementos que os instruem", diz.

2 comentários:

Anônimo disse...

Excelente matéria.Hoje vemos que a justiça quer fazer justiça e não apenas cumprir a lei.É preciso um toda uma visão ampla e irrestrita.Vejo a especulação imobiliària desenfreada na orla da Praia da Costa e Itapõa.Estive com os pescadores e colônia.Simplesmente estão abandonados sem nenhuma voz representativa.As âncoras penduradas parece a bandeira de uma derrota permanente.O Capital, os expulsa e sbaixa a sua auto-estima.Como os americanos fizeram na sua marcha de Conquista do Oeste.George Custer matou tudo.Um sanginário crianças,velhos,mulheres.Toda uma nação destruída em nome do Progresso
No livro "Emterrem meu coração na curva do Rio" de Dee Brown.A história contada pelos ìndios."O branco".Diz um chefe sábio como Touro Sentado.Numca honrou um acordo a unica coisa que prometeram e cumpriram foi tomar nossas terras,matar os bisões.
O grande Pai Branco de Whashington,ensine para seus filhos a beleza das estações,o valor dos animais.O que ele não sabe e eu não entendo como ele pode querer comprar nossas terras.Que eram de nossos ancestrais.Que podíamos conviver pacificamente como irmãos.
A história se repete apenas muda o contexto.Lembro de Gerson fazendo propaganda dos cigarros Vila Rica.E ficou o brasileiro quer levar vantagem em tudo.Mas talvez o mundo.A revolução Inglesa na Inglaterra,que acelerou os métodos de produção em massa.
A obra de Émile Zola sobre os mineradores explorados.Ainda vemos estas distorções.
A fantástica contribuição de Albert Einstein com sua teoria da relatividade.E sua máguoa pois usaram para fins bélicos.A profunda religiosidade de Einstein como ele via Deus.
A humildade de quando chegou a Inglaterra a Rainha o esperava com Pompas para saudar o cientista famoso.
Desceu do Trem e ignorou e foi andando.
O cortejo já em retirada,cruzou com ele pelo caminho.
-Mr.Einstein estávamos esperando o Sr. há horas.
-Majestade vi que era tão suntuoso que jamais pensei ser para um plebeu humilde tal recepção.

Ricardo

Anônimo disse...

Carissimo Lyrio.

A materia com uma verdade e uma outra assertiva nem tao verdadeira.
A verdade é que o CC/2002 normatizou antiga regra sobre a "boa fé nos contratatos". Mas, é bom registrar, que essa boa fé nao tem o mesmo componente genetico de outras especies, como por exemplo, a boa fé do possuidor, investigada nos casos das benfeitorias. Foi por isso, entao, que se convencionou chamar a primeira de Boa Fe "objetiva" para diferenciá-la das demais, onde é forte a sua conotaçao animica, subjetiva, portanto. Dai porque existe, na materia em comento,uma assertiva que nao é 100% verdadeira. É quanto se fala que o CC/2002 contempla a boa fé em "55 ocasiões". Na verdade, reitero, aquela boa fé de que trata a materia, por força da qual proscreve-se a "lei de gerson" é, como se pode ver, boa fe nos contratos, objetiva,portanto. E essa,lamento dizer, só aparece uma vez. Todas as outras "54" (sé é que existem as tais "55", nao contei...) são do outro - e clássico - tipo (subjetiva).
Forte abraço.

Cleanto G Siqueira